Não existe legitimindade em Jovenel Moise. Há golpe de Estado eleitoral

“Não existe legitimidade em Jovenel Moise. Ocorreu um golpe de Estado eleitoral”

imagemEntrevista com Henry Boisrolin, do Comitê Democrático Haitiano: “Não existe legitimidade em Jovenel Moise. Ocorreu um golpe de Estado eleitoral”
Por María Torrellas, Resumen Latinoamericano, 10 de fevereiro de 2017
Em uma cerimônia desbotada por onde se olhava, com escassa presença de mandatários, salvo uma forte delegação dos Estados Unidos, assumiu o cargo o novo presidente Jovenel Moise. O que nenhum meio se encarregou de constatar é que as ruas haitianas estavam convulsionadas por manifestações de protesto e desconhecimento a Moise e sua gente. Sobre tudo isto pudemos falar com Henry Boisrolin, do Comitê Democrático Haitiano.
Como você observa a realidade no Haiti no marco da recente ascensão à presidência de Jovenel Moise, apoiado pelos Estados Unidos e pela Comunidade Internacional?
Em primeiro lugar, mais uma vez, quero renovar minha plena solidariedade para com Resumen Latinoamericano com relação ao que ocorreu, o ataque, em dezembro passado, porque não poderia deixar de passar esta oportunidade para repudiar este fato e expressar a solidariedade plena de nós com respeito a isto, porque é um ato que não pode ficar impune.
Com relação ao Haiti, é certo que o presidente “eleito”, designado pelo Conselho Eleitoral, não é outra coisa que o representante direto da alta burguesia haitiana, da oligarquia haitiana, dominicana e da Comunidade Internacional encabeçada pelo imperialismo norte-americano. Isso tem que ficar bem claro. Este homem foi o candidato deles e não do povo haitiano.
Agora, em que condições “ganhou”? Digo entre aspas porque, segundo os próprios dados deles, este homem reuniu 595 mil votos sobre um padrão de 6.200.000, o que significa que o atual “presidente” não possui legitimidade.
Tendo em conta todas as denúncias e as provas apresentadas pelos partidos da oposição, também fica claro que foi um processo marcado por fraudes, o que converteu esta eleição em um golpe eleitoral, já que houve uma maquinaria a serviço da farsa.
– Golpe eleitoral é o conceito que utiliza a oposição em seu conjunto?
– É. Jovenel Moise não possui legitimidade, é um candidato imposto através de um processo eleitoral perverso.
Daí vem no Haiti, neste momento, o conceito ou a palavra de ordem de Golpe de Estado Eleitoral perpetrado pelos setores endinheirados do país aliados à Comunidade Internacional.
Outro elemento a ter em conta é a repressão que existiu antes, durante e depois deste processo, onde foi declarado ganhador Jovenel Moise no primeiro turno. Massacres, repressões em bairros populares fundamentalmente, impedindo manifestações de milhares e milhares de cidadãos e cidadãs do Haiti que estavam contra isto.
Também faz falta ressaltar que sobre o padrão que eles apontam, reconhecem que votou somente 21%. Isto significa que quase 80% da população haitiana, por uma razão ou outra, não participou. Então, evidentemente, trata-se de um presidente frágil e, como se apresenta como continuador do governo do ex-presidente Martelly, é óbvio que não se pode esperar absolutamente nada deste homem.
– O Resumen Latinoamericano publicou em sua página web um vídeo com imagens compiladas da realidade haitiana nos últimos 20 dias: manifestações, massacre em um bairro histórico de luta em Porto Príncipe, uma homenagem massiva da população, sobretudo mulheres, a três jovens assassinados.
Nada disto se viu nos meios. Que análise você faz deste silêncio midiático e ocultação da rebeldia de um povo que se indigna e que está cheio de dor?
– Eu acredito que isso deve ser tomado, acrescentado, ao esquecimento e à indiferença de que sempre foi vítima o povo do Haiti. Historicamente não se fala da história do Haiti. Desde sempre a história oficial tenta contar o processo de independência na América Latina a partir de 1810, enquanto o Haiti foi o primeiro país que se libertou em 1804 e ajudou na libertação de vários outros.
Então, é uma continuidade de tudo o que se refere às lutas populares no Haiti, o silêncio atual se insere nesse quando. É claro, dentro de um contexto histórico diferente, porém existe um fio condutor, pois continua sendo hegemônica a abordagem do racismo, a abordagem de destruir tudo o que se refere ao movimento popular. Isso também afetou de alguma forma a abordagem que se escuta nos países onde existem mídias alternativas. Eles também caem nisto, fazem uma leitura equivocada da realidade haitiana pensando que existe um Estado falido e, por consequência, um povo falido. Então, nos enxergam como pobrezinhos, que ficam sentados frente a uma igreja da qual alguém sai e dá 20 pesos. Não enxergam solidariedade, enxergam caridade, pensando que não se pode fazer absolutamente nada. Ou seja, uma visão quase cristã de uma realidade política. Então, a luta de classes está confusa, escondida e distorcida. É neste plano que se precisa entender.
Então, o dever do movimento popular haitiano a partir dos dirigentes, é tentar romper esse círculo vicioso de classismo, de esquecimento, de negação. Colocar fim nesta negligência que tanto prejudica o movimento popular de maneira objetiva.
Frente a esta situação, nós cremos que é importante o fato de que vocês difundam esse vídeo atualizado, porque não são manifestações passadas, mas sobre a atualidade, para que as pessoas possam ver realmente o que está acontecendo no Haiti.
– Qual tem sido o papel da MINUSTAH da ONU, que permanentemente dizem que é uma força de paz e de concórdia? É certo que na ascensão do comando por parte de Moise rodearam o Palácio e tentaram impedir as manifestações?
– Fundamentalmente a polícia haitiana cumpriu o papel de impedir o desenvolvimento das manifestações, porém sempre acompanhada pela MINUSTAH. Ou seja, o papel da MINUSTAH desde sua instalação, sua imposição no país em junho de 2004, foi o de implantar o plano de neocolonização do país. Fracassou, obviamente, em tudo, não é apresentável. Até o ex-secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, reconheceu agora a responsabilidade da MINUSTAH na introdução do cólera, que já matou mais de 10 mil haitianos e deixou 800 mil pessoas infectadas, sem contar as violações a meninas e meninos, além dos massacres perpetuados por essas tropas nos bairros populares e contra as mobilizações.
Ou seja, foi o braço armado fundamental para poder chegar hoje à nomeação de Jovenel Moise como presidente do país. É preciso ver a MINUSTAH como o braço armado e também político, porque sua chefa política é uma das integrantes do COGRU que é um grupo seleto de embaixadores, de representantes da União Europeia, da OEA, embaixadores do Brasil, Canadá, Estados Unidos, França, etc. São eles que decidem realmente, é claro, com a chefa atual que é uma representante de Trinidad y Tobago, que decidem da vida política e interna do país.
Não há nenhuma dúvida de que é uma submissão, existe sujeição, existe dominação, e a MINUSTAH tem sido o instrumento. Agora que se descobriu o papel fundamental da MINUSTAH, o que pensará o imperialismo, hoje com Trump, o que irão fazer para substituí-la? Fala-se de retirada gradual, de uma reformulação do exército haitiano, de uma recriação, de ampliar a polícia, fala-se de diferentes coisas. Inclusive, no setor da burguesia haitiana existem setores que veem que é preciso operar uma retirada gradual e progressiva das MINUSTAH. Porém, tudo vai depender do que aconteça nas ruas do país, não somente em Porto Príncipe. Não se trata de um bloqueio homogêneo, existem diferentes enfrentamentos entre eles mesmos pela formação do governo, por quem será o primeiro ministro e, sobretudo, que agora a torta não é tão grande, não vão contar mais com os fundos do Petrocaribe. Então, Jovenel Moise vai entregar tudo o que resta. Isso é o que se vê e outra MINUSTAH será necessária para poder levar adiante o projeto antipopular.
– Ao aparecerem os três candidatos que se apresentavam e que, obviamente, não saíram eleitos se unindo em uma coalizão, que possibilidades existem de que esta coalizão tenha força para lutar contra este presidente? Que opções se abrem agora no Haiti com Trump como presidente?
– Em primeiro lugar, com relação a Trump, muitos pensaram que ele não ia se preocupar do Haiti. Porém, a ascensão de Jovenel demonstrou que isso não era certo. Os Estados Unidos enviaram uma delegação de muito alto nível e de pessoas que operam ao mesmo tempo sobre a crise haitiana. Também é preciso recordar que durante a campanha eleitoral, quando ele chegou a Flórida, na cidade de Miami, ele visitou o local central de “Little Haiti” porque era uma forma de atacar Hillary Clinton por todos os prejuízos causados ao Haiti pela família Clinton.
Então, o Haiti está posto na agenda deste homem. Não é preciso esperar absolutamente nada de bom. O que para o governo é mau sinal porque Trump fala mais de protecionismo e não existe possibilidade de chegar a pensar que Trump vai investir dinheiro no Haiti de Jovenel.
Quanto à oposição somada no SDR (Setor Democrático Reunido), tudo vai depender da possibilidade deles de manter esta unidade e coesão no seio de suas próprias forças. Petit Desalin é a formação política mais golpeada, se desintegrou diretamente, inclusive mudou sua plataforma para partido político tendo em conta as deserções que ocorreram em seu seio. Porém, existe um setor que ficou muito forte e que aposta muito na mobilização. O que importa nisto é que esses três partidos, que segundo os resultados eleitorais seguiram Jovenel Moise, não o reconhecem até agora, e creio que não o farão mais adiante. Inclusive, um deles contribuiu como parte civil, como querelante, nas denúncias que contra Moise na justiça por lavagem de dinheiro. Então, acredita-se que esse setor vai continuar apostando na mobilização, o que vai fortalecer de alguma forma o movimento popular.
HAITI: Vídeo compilado por Resumen Latinoamericano, onde se veem as manifestações contra a farsa eleitoral, a repressão brutal à população civil com disparos e gases lacrimogêneos que afetaram as criaturas. Massacre perpetrado em La Saline – um bairro popular que é através da história moderna um dos símbolos da resistência popular em Porto Príncipe. Os manifestantes acusam um membro da Polícia Nacional do Haiti do assassinato de 3 jovens. Acusam não só a Polícia, mas também a Comunidade Internacional e Jovenel Moise. Segundo eles, este massacre se operou às 5 da manhã.
Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=2hqXBPN5IA4
Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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