O Estado Islâmico e o terrorismo Internacional

O Estado Islâmico e o Terrorismo Internacional
Artigo de Sergio Luiz Cruz Aguilar, professor da Unesp, publicado na Folha de S. Paulo
[20/11/2015]
Ano passado escrevi um pequeno texto publicado na revista Unesp Ciência (http://www.unesp.br/aci_ses/revista_unespciencia/acervo/58/ponto-critico) sobre a questão de se considerar o Estado Islâmico e outros grupos extremistas como terroristas, questionando se esses grupos não seriam insurgentes. Ironicamente, semana passada foi realizado o Forum sobre Paz e Segurança na África, em Dakar - Senegal, que teve como um dos financiadores o governo da França, inclusive com a presença do Ministro da Defesa francês, onde se discutiu o terrorismo no continente africano e suas ligações com o Estado Islâmico, dentre outros temas ligados à segurança como migrações e operações de paz. O evento teve a participação de chefes de Estado e governo, ministros, diplomatas, militares e acadêmicos. Os workshops apresentaram a situação atual de diversos países, especialmente aqueles que vivem o problema do “terrorismo” como a Líbia, Iêmen, Nigéria e seus vizinhos (Boko Haram), Somália e seus vizinhos (Al Shabaab), dentre outros.
Mesmo entendendo a complexidade das causas que levam ao surgimento e crescimento desses grupos, normalmente relacionadas aos problemas político-sociais nas áreas em que surgem e atuam, os presentes ao evento, quase que sem exceção, utilizam termos como “terroristas” ou “bandidos terroristas” para classificar esses grupos. Enquanto representantes de governos pregavam ações militares, coordenação regional, auxilio internacional para combater os grupos, acadêmicos, pesquisadores, membros dethink tanks  apresentaram má governança, corrupção, ações arbitrárias e violentas do Estado, despreparo do órgãos de segurança, permeabilidade e controle deficiente das fronteiras, dentre outros, como root cases dos conflitos provocados por esses grupos.
Entendemos que todos esses elementos estão presentes. O Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ou simplesmente EI) surgiu a partir de vários grupos insurgentes sunitas que lutaram no Iraque contra as forças de ocupação lideradas pelos Estados Unidos. A partir da região sunita iraquiana acabou se envolvendo na guerra civil Síria e rapidamente ocupou um vasto território nesses dois países. O Boko Haram, na Nigéria, e o Al-Shabaab, na Somália, também cresceram e ocuparam áreas sem o controle do Estado (apesar de muito menores que a ocupada pelo EI). Esses grupos têm características em comum como: todos eles proclamaram os seus califados; todos buscaram se tornarem conhecidos por conta do extremismo e da brutalidade como forma de atingir seus objetivos; todos utilizam o apelo islâmico com interpretações distorcidas do Corão e as midias sociais na internet para conseguir adeptos; todos pregam o objetivo final de mudar o estado das coisas criando uma nova sociedade (islâmica) devidamente protegida do modo de vida e dos valores “mundanos” e “infiéis” dos ocidentais, mostrados como os grandes responsáveis pelos problemas existentes nas regiões em que atuam. Mas, principalmente utilizam o radicalismo, apoiado numa causa ideológica e religiosa, por conta do qual os meios justificam os fins.
Ou seja, não importa o grau de violência a ser utilizado desde que ataque os supostos “inimigos” onde quer que eles estejam. Apesar de não haver uma definiçao de consenso, o terrorismo pode ser entendido como um método ou lógica de ação, praticado por um ator (indivíduo ou grupo) que usa a violência (ou ameaça usá-la) para causar a morte ou infligir danos, criando uma atmosfera de terror para intimidar uma população e, com isso, obrigar os poderes públicos de um país ou uma organização internacional a agir de determinada maneira (ou abster-se de agir), desestabilizar ou destruir suas estruturas. Em sua forma radical, inclui o uso de armas para destruir o governo ou a organização social em vigor. Como método, as ações visam a se atingir um fim político. Como lógica, o ato, os atentados teriam um fim em si mesmo. No entanto, para nós, o resultado é mais explorado. Independente do ato ser meio ou fim, o que importa é a destruição, as mortes, o medo que ele provoca.
Como toda ação tem uma reação, a cooperação internacional anti-terrorismo, principalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, diminuiu a capacidade das organizações terroristas de planejar e executar ataques como os que aconteceram nos Estados Unidos. Mas, a capacidade de adaptação desses grupos, e a rapidez com que ela acontece, é muito maior que a dos Estados e das organizações internacionais. Nesse sentido, de uma ação complexa como a do 11 de setembro, tivemos os posteriores ataques simultâneos a bomba nos meios de transporte de Madri e Londres (além de outros como em Bali – Indonésia). Esse ano, o terrorismo islâmico apresentou uma nova tática como o ataque ao jornal francês  Charlie Hebdo e os atentados simultâneos e coordenados do último dia 13 de novembro, ambos em Paris, nos quais a maior parte dos danos foram causados por tiros de fuzis.
Esse tipo de atentado é muito mais simples de preparar e executar e mais difícil de ser descoberto pelos órgãos de inteligência, mas causam o mesmo impacto. Há uma enorme facilidade de se adquirir armas e explosivos no mercado negro operado pelo crime organizado e o poder destrutivo dos fuzis é grande quando empregados de surpresa contra pessoas reunidas em locais de trabalho, casas de espetáculos, estadios de futebol ou bares, como ocorreu nos últimos atentados na França.
Os alvos também mudaram. O terrorismo moderno, no sentido que utilizamos hoje, surgiu no chamado “regime do terror” da Revolução Francesa, como terrorismo de Estado durante o governo de Robespierre. Em seguida, no final do século XIX início do século XX, surgiram grupos organizados que lutavam contra governos autoritários que passaram a atacar alvos seletivos, normalmente membros desses governos. Após a 1ª Guerra Mundial, houve o retorno do terrorismo de Estado nos regimes nazista (Alemanha), facista (Itália) e socialista (antiga União Soviética). Com o processo de descolonização, os atentados passaram a ser executados no âmbito dos movimentos de libertação nacional e os alvos eram individuos (agentes), as forças legais e a estrutura das metrópoles. O terrorismo religioso cresceu ao final da Guerra Fria, assim como o transnacional, facilitado pelo processo de globalização, mas também pela regionalização e o crescimento do crime organizado internacional. O terrorismo do século XXI ataca locais com algum significado para os terroristas como símbolos do poder (World Trade Center, Pentágono), ou da vida infiel (bares e casa de show de Paris), ou que permitem atingir grande quantidade de pessoas (meios de transporte de Londres e Madri) e, com isso, o impacto, a publicidade ajuda no objetivo maior que é espalhar o medo e o sentimento de insegurança. Â
Se toda ação provoca uma reação, logicamente, os atentados do último dia 13 de novembro em Paris terão como primeira consequência o aumento do uso da força por parte da coalisão internacional que ataca o Estado Islâmico na Síria e no Iraque.
Mas, outras possíveis reações ainda são difíceis de serem percebidas em termos de extensão e seus prováveis resultados deixam no momento mais dúvidas que respostas. O xenofobismo pode aumentar na Europa, aumentando o sentimento de exclusão das comunidades islâmicas, fomentando mais ódio, permitindo que mais “excluidos” se juntem ao extremismo e se tornem pessoas propensas a executar atentados. Poderá haver um maior controle das levas de migrantes vindos da África, Oriente Médio e Ásia. O xenofobismo citado acima pode aumentar a dificuldade de assentamento desses migrantes/refugiados. Sem dúvida, haverá uma maior atividade político-diplomática para se tentar uma solução para a guerra civil síria, especialmente tentativas mais incisivas de convergir as posturas de Estados Unidos e Rússia em relação ao conflito. Aumentarão os ataques ao EI e o apoio aos grupos que lutam para retomar as áreas por ele controladas, como por exemplo, aos curdos peshmergas. Sobre esse ítem, o resultado pode ser questionável. A história recente mostra que o apoio a determinados grupos, apesar de apresentar resultados que podem ser vistos como satisfatórios em curto prazo, normalmente resultam em novos problemas a longo prazo (o próprio EI é um exemplo, da mesma forma que a Al Qaeda). E como ficará a ideia da União Europeia de fronteiras abertas dentro do bloco? Na situação atual os Estados ficam a mercê do controle na entrada no bloco. Uma vez dentro da União, o trânsito se dá praticamente sem constrangimentos. Atentados como o de Paris levam o Estado “agredido” a melhor controlar suas fronteiras nacionais, o que pode enfraquecer os acordos atualmente vigentes, como o Tratado Schengen.
De qualquer forma, independente do nivel da reação, o objetivo do EI já foi conquistado - atingir um dos símbolos do mundo ocidental. E como a diminuição da ação de grupos como os que existem atualmente depende de um re-desenho dos Estados e das sociedades, especialmente no Oriente Médio e no mundo islâmico, e de suas relações com os demais países no sistema internacional, o que demanda vontade e tempo, ataques como os de Paris provavelmente, e infelizmente, voltarão a acontecer.
Sérgio Luiz Cruz Aguilar é doutor em História, professor do curso de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unesp (Câmpus de Marília/SP) e especialista em segurança internacional. Atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Oxford – Reino Unido com bolsa de pesquisa no exterior da FAPESP.
Versão deste artigo foi publicada no jornal Folha de S. Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2015/11/1708567-estado-islamico-e-terrorismo-internacional.shtml em 20 de novembro de 2015.
Assessoria de Comunicação e Imprensa

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