Eliminação da discriminação e violênciacontra a Mulher


9 Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher e Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

Helena Omena Lopes de Faria*
Mônica de Melo**


1. Introdução
Gostaríamos de iniciar este trabalho ressaltando o lema levado, pelo Movimento de Mulheres, à Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena (1993): "os direitos da mulher também são direitos humanos".
É inegável, historicamente, que a construção legal e conceitual dos direitos humanos se deu, inicialmente, com a exclusão da mulher.
Embora os principais documentos internacionais de direitos humanos e praticamente todas as Constituições da era moderna proclamem a igualdade de todos, essa igualdade, infelizmente, continua sendo compreendida em seu aspecto formal e estamos ainda longe de alcançar a igualdade real, substancial entre mulheres e homens.
A Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi, dentre as Convenções da ONU, a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram.
E em virtude da grande pressão das entidades não governamentais é que houve o reconhecimento de que os direitos da mulher também são direitos humanos ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena (item 18) que:
"Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais".
Também por essa razão é que agora se renova essa reflexão por ocasião do quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
No plano jurídico nacional a Constituição de 1988 significou um marco no tocante aos novos direitos da mulher e à ampliação da cidadania. Fato este que se deveu, principalmente, à articulação das próprias mulheres na Assembléia Nacional Constituinte com a apresentação de emendas populares garantidoras de seus direitos.
A Constituição como documento jurídico e político das cidadãs e cidadãos brasileiros buscou romper com um sistema legal fortemente discriminatório negativamente em relação ao gênero feminino.
Foi assim constitucionalizado como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (não só do homem ou da mulher). Um dos objetivos fundamentais em nosso país é a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Para reforçar ainda mais, a Constituição de 1988 prevê como direito constitucional a igualdade de todos perante a lei sem distinção de qualquer natureza e a igualdade de homens e mulheres em direitos e obrigações.
No tocante ao exercício do trabalho ficou proibida a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
No capítulo que trata da família mais uma vez foi destacado que os direitos e deveres devem ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O Estado deve criar mecanismos para coibir a violência doméstica e propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do direito do planejamento familiar, que é de livre decisão do casal.
Finalmente no plano de proteção internacional no qual o Brasil também se insere, uma vez que a própria Constituição estabelece (§ 2o do art. 5º) que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e princípios por ela adotados e dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte, temos dois Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil que tratam especificamente dos direitos das mulheres: Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada em 1984 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ratificada em 1995. Os Tratados Internacionais que o Brasil ratifica além de criarem obrigações para o Brasil perante a Comunidade Internacional, também criam obrigações internas gerando novos direitos para as mulheres que passam a contar com uma última instância internacional de decisão quando todos os recursos disponíveis no Brasil falharem na realização da justiça.
Portanto, atualmente é possível peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, apresentando denúncias e queixas no que se refere a prática de violência contra a mulher. Para que possamos também recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos é necessário que se reconheça a sua competência no Brasil, ato que até hoje não foi realizado, embora as pressões de diversas ONGs sejam fortes neste sentido, tendo sido realizada uma recente campanha com coleta de assinaturas em todo o Brasil requerendo sua adesão.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, trouxe de forma inovadora a possibilidade da existência da discriminação positiva, ou seja, a possibilidade de adoção, nos países partes, de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher.
Nossa Constituição, neste tema, prevê a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos (art. 7º , XX) e há alguns projetos de lei tramitando no Congresso Nacional objetivando a regulamentação desse artigo. Com esse mesmo objetivo — de acelerar a igualdade de fato entre homem e mulher — temos a recente aprovação da legislação determinando que um determinado número de candidaturas sejam reservadas às mulheres.
Como é possível observar a partir de 1988 houve (e ainda está havendo) um grande avanço na legislação protetiva dos direitos da mulher e ampliativa de sua cidadania. Finalmente, de forma gradual, mas constante, a mulher vai conquistando a almejada igualdade de direitos e a inclusão social.
Entretanto, não podemos perder de vista que o avanço legislativo não é suficiente para a transformação da realidade. Embora tenhamos uma das Constituições mais avançadas do mundo relativamente à proteção dos direitos da mulher, embora tenhamos ratificado os Tratados Internacionais de Proteção da Mulher não podemos pensar que a lei é a única solução para todos os problemas. A realidade é muito mais complexa e as soluções passam pelo direito, pela política, pela educação, pela cultura, pela economia etc., por mais avançada que seja uma legislação, sua aplicação depende dos operadores do direito. A interpretação legislativa efetivada pelo judiciário, pelos advogados e advogadas, procuradoras e procuradores, promotoras e promotores é fundamental para a devida aplicação dos novos direitos da mulher. A aplicação da lei ao caso concreto é intermediada pela ação e interpretação de todos esses atores jurídicos. Para estes atos concorrem necessariamente valores individuais e sociais. Não há neutralidade. Portanto é absolutamente imprescindível que se desenvolva capacidade crítica em relação à valores estratificados, estereótipos, sexismos e preconceitos. A ideologia dominante é patriarcal admitindo a subalternidade social e política das mulheres. Romper com o conservadorismo jurídico reinante é um dos caminhos para que os novos direitos da mulher possam ser aplicados.
Dentro deste quadro o objetivo deste trabalho é modesto, pois objetivamos apenas realizar uma abordagem jurídica dos dois tratados internacionais ratificados pelo Brasil, de promoção e proteção dos direitos da mulher.
Nossa contribuição se volta principalmente aos operadores do direito no sentido de trazer subsídios para uma melhor compreensão desses textos normativos, para que possamos colaborar na construção de uma sociedade mais igualitária, garantidora da democracia e da paz.


2. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER(1)
Antes de enfocarmos o tema central, "Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher", cabe mencionar que a proteção internacional dos direitos das mulheres situa-se no âmbito do chamado "Direito Internacional dos Direitos Humanos" e por isto urge a necessidade de tecermos breves comentários acerca destes direitos, bem como do impacto causado por este movimento no cenário internacional.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos constitui um movimento bastante recente na história mundial, surgindo à partir do Pós Guerra, em decorrência das terríveis violações cometidas durante o nazismo e a crença de que, ao menos parte dessas violações poderiam ter sido evitadas se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse. Surge a certeza de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao âmbito reservado de um Estado, não mais ser concebida como uma questão de jurisdição doméstica, porque revela tema de legítimo interesse internacional.
Neste cenário, o Tribunal de Nuremberg, de 1945-1946, significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos humanos, pois reconheceu a idéia da necessária limitação da soberania nacional, eis que os indivíduos têm direitos protegidos pelo Direito Internacional., na condição de sujeitos de direito. A Declaração de 1948 vem a inovar, quando em seu § 5º, afirma que : "Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase".
A concepção universal dos direitos humanos, demarcada pela Declaração sofreu e sofre fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural, no qual a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade, o que impede a formação de uma moral universal, sendo necessário que se respeitem as diferenças culturais apresentadas por cada sociedade. Entretanto, a contingência histórica e a particularidade de direitos humanos é perfeitamente compatível com a concepção de direitos humanos como direitos morais universais, de modo que não se permite aceitar fortes reivindicações do relativismo cultural.
Pode-se citar as diferenças de padrões morais e culturais entre o islamismo e o hinduísmo e o mundo ocidental , no que tange ao movimento de direitos humanos; exemplificando-se com a prática da clitorectomia e mutilação feminina por muitas sociedades da cultura não ocidental. Entretanto, não se pode tolerar atos de violência, tortura e mutilações, em nome da diversidade ou respeito a tradições culturais ou religiosas que regem o ordenamento secular dessas sociedades. Não se admite nenhuma concessão que implique em violação de direitos humanos, ainda que acobertada pela diversidade cultural. A posição relativista revela o esforço em justificar graves casos de violação dos direitos humanos, que ficariam imunes ao controle da comunidade internacional. Independentemente do sistema político, econômico e cultural, é obrigação dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. A universalidade é enriquecida pela diversidade cultural, a qual jamais pode ser invocada para justificar a denegação ou violação dos direitos humanos.
A partir da Declaração Universal de 1948, o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a desenvolver-se, implicando nos processos de universalização e internacionalização desses mesmos direitos, adotando-se inúmeros tratados internacionais voltados a proteção de direitos fundamentais. Forma-se assim um sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas.
Esse sistema normativo é integrado por instrumentos de alcance geral, como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e por instrumentos de alcance específico, as Convenções Internacionais que visam responder a determinadas violações de direitos humanos, como por exemplo a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a tortura e a violação dos direitos da criança.
O sistema geral de proteção tem por endereçado toda e qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade. Por sua vez, o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto de forma concreta e específica, pois determinados sujeitos de direitos, ou certas violações de direitos exigem uma resposta diferenciada. Importa o respeito à diversidade e a diferença, assegurando-se um tratamento especial.
Ao lado do sistema normativo global, surge o sistema normativo regional de proteção, que busca internacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa, América e África. Ambos os sistemas são complementares e diante deste complexo universo de instrumentos internacionais, cabe a vítima a escolha do aparato mais favorável, pois eventualmente direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda de alcance especial.
É certo que ao adotar-se o valor da primazia da pessoa humana, esses sistemas se complementam, visando a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais, constituindo a sistemática internacional como garantia adicional de proteção, instituindo mecanismos de responsabilização e controle internacional, acionáveis quando o Estado se mostra falho ou omisso na tarefa de implementar direitos e liberdades fundamentais.
Ao acolher o aparato internacional de proteção, bem como as obrigações internacionais dela decorrentes, o Estado passa a aceitar o monitoramento internacional no que se refere ao modo pelo qual os direitos fundamentais são respeitados em seu território. Como já mencionado, a ação internacional é sempre uma ação suplementar, constituindo uma garantia adicional de proteção aos direitos humanos.
Essas transformações decorrentes do movimento de internacionalização dos direitos humanos contribuíram para o processo de democratização do próprio cenário internacional, eis que novos sujeitos de direito passaram a participar do cenário internacional. É patente a relação entre democracia e direitos humanos, pois estes inovam a ordem jurídica e reforçam a sistemática de proteção de direitos, permitindo o aperfeiçoamento do próprio regime democrático.
Foi neste cenário que as Nações Unidas aprovaram em 1979 a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada pelo Brasil em 1984.
A Convenção fundamenta-se na dupla obrigação de eliminar/erradicar a discriminação e a de assegurar/garantir a igualdade. Trata do princípio da igualdade, seja como uma obrigação vinculante, seja como um objetivo.
Para a Convenção, a discriminação contra a mulher significa "toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objetivo ou resultado, prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo"(art. 1º).
Diversas previsões da Convenção também incorporam a preocupação de que os direitos reprodutivos das mulheres devem estar sob seus próprios controles, assegurando que suas decisões sejam livres e benéficas no tocante ao acesso às oportunidades sociais e econômicas. Reconhece-se que mulheres são submetidas a abusos, que precisam ser eliminados (estupro, assédio sexual, exploração sexual...).
Dentre suas previsões, está a urgência em se erradicar todas as formas de discriminação contra as mulheres, a fim de que se garanta o pleno exercício de seus direitos civis , políticos, econômicos e culturais.
Ao ratificar a Convenção, os Estados-partes assumem o compromisso de, progressivamente, eliminar todas as formas de discriminação no tange ao gênero, assegurando efetiva igualdade entre eles. Trata-se de obrigação internacional assumida pelo Estado, ao ratificar, dentre outras, a necessidade de adoção de políticas e legislação igualitária.
A Convenção reflete a visão de que habilidades e necessidades que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser reconhecidas e ajustadas , mas sem eliminar a titularidade das mulheres à igualdade de direitos e oportunidades.
Para tanto, a Convenção prevê a possibilidade de adoção de medidas afirmativas ("ações afirmativas"), como importantes medidas a serem adotadas pelos Estados para acelerar o processo de obtenção da igualdade. Permite-se a "discriminação positiva", pela qual os Estados podem adotar medidas especiais temporárias, visando acelerar o processo de igualização de status entre homens e mulheres. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo. São medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas, consequências de um passado discriminatório, buscando a pluralidade e diversidade social.
Existe a previsão de instituição de determinado órgão, denominado "Comitê", que é responsável pelo monitoramento dos direitos constantes na Convenção. Esta ainda estabelece, como mecanismo de implementação dos direitos que enuncia, a sistemática dos relatórios. Os Estados-partes têm que encaminhar relatórios ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Nestes relatórios devem evidenciar o modo pelo qual estão implementando a Convenção e quais as medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas para este fim. É a primeira vez que os Estados têm que prestar contas a organismos internacionais da forma pela qual protegem os direitos das mulheres, permitindo o monitoramento e fiscalização internacional.
Em que pese o Comitê não ter quase poderes judiciais que o habilitem a sancionar um Estado-parte responsável por violação à Convenção, nem tampouco deter poderes para prever um remédio apropriado em caso de violação, pode oferecer recomendações a Estados específicos, ou a Estados-partes em geral, no sentido de indicar as medidas apropriadas para o cumprimento da Convenção. Entretanto, o meio mais eficaz de exercer pressão em Estados, para que cumpram com suas obrigações, se atém à revisão pública de relatórios específicos submetidos por Estados. Muitos governos se preocupam com a publicidade positiva ou negativa acerca de suas políticas de direitos humanos.
Novos procedimentos devem ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seus direitos humanos. O comitê deve examinar a possibilidade de introduzir o direito de petição mediante a elaboração de um Protocolo Optativo à Convenção, na medida em que tal mecanismo constitui o sistema mais eficiente de monitoramento dos direitos humanos internacionalmente enunciados. Importante também a introdução de comunicação interestadual que permitiria a um Estado-parte denunciar outro Estado-parte quando este violasse dispositivos da Convenção.
Cabe ressaltar que em que pese diversos Estados terem ratificado esta Convenção, o alcance e a extensão da ratificação são comprometidos em face das reservas, que atingem a essência de seus valores. Esta Convenção é o instrumento internacional que mais fortemente recebeu reservas, dentre as Convenções Internacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos 100 Estados-partes, fizeram no total 88 reservas substanciais. Vale dizer que esta Convenção maximizou sua aplicação universal ao custo de ter comprometido sua integridade.
No cenário internacional, a Conferência de Viena, em 1993, reafirmou a importância do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa ao gênero, clamando, nos termos do artigo 39, pela ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, que visa a erradicação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tanto implícitas como explícitas, bem como o encorajamento de ações e medidas para reduzir o amplo número de reservas à Convenção. Preceitua ainda no artigo 40 que "os órgãos de monitoramento devem disseminar informações necessárias que permitam às mulheres fazerem um uso mais efetivo dos procedimentos de implementação existentes, com o objetivo do pleno e equânime exercício dos direitos humanos e da não discriminação. Novos procedimentos devem também ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seus direitos humanos. A Comissão relativa ao Status da Mulher e o Comitê de Eliminação da Discriminação contra as Mulheres devem rapidamente examinar a possibilidade de introduzir o direito de petição mediante a preparação de um Protocolo Optativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres".
Cabe acrescentar que a plataforma mundial dos direitos humanos das mulheres foi reforçada com a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995, que enfatizou que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais.
No cenário nacional, a Constituição brasileira de 1988, constitui um marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos e da transição democrática no país, ineditamente consagrando o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional.
A Constituição Federal de 1988 estabelece ao fim da extensa Declaração de Direitos por ela prevista, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte" (art. 5º, § 2º). Inova ao incluir dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, atribuindo aos direitos internacionais, uma natureza especial e diferenciada, qual seja, de norma constitucional.
Como consequência do processo de democratização iniciado em 1985, o país procurou alinhar-se ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, o que exige uma nova interpretação de princípios tradicionais, como a soberania nacional e a não intervenção, impondo a flexibilização e relativação destes valores. É sem dúvida o documento mais avançado sobre a matéria, na história constitucional do país.
Quanto ao impacto jurídico do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito brasileiro, é certo que este tem como inspiração, paradigma e referência o direito Internacional dos Direitos Humanos. O legislador nacional busca orientação e inspiração neste instrumental, equacionando o direito interno às obrigações internacionalmente assumidas. Seja em face da sistemática de monitoramento internacional, seja em face do extenso universo de direitos que assegura, o Direito Internacional dos Direitos Humanos vem a instaurar o processo de redefinição do próprio conceito de cidadania, no âmbito brasileiro. O conceito de cidadania se vê ampliado e alargado na medida em que passa a incluir não apenas direitos e garantias previstos no plano nacional, mas também direitos internacionalmente enunciados e garantias de natureza internacional.
Observa-se que, ao longo do processo de democratização, o Estado brasileiro passou a aderir a importantes instrumentos internacionais de direitos humanos, integrantes dos sistemas global e regional, aceitando expressamente a legitimidade das instâncias internacionais quanto ao cumprimento conferido pelo país às obrigações internacionais assumidas concernentes aos direitos humanos.
O marco inicial do processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
Insta mencionar que, quando da ratificação da Convenção, em 1984, o Brasil apresentou reservas ao artigo 15, § 4º e ao artigo 16, § 1º, a, c, g e h da Convenção. O artigo 15 assegura a homens e mulheres o direito de livremente escolher seu domicílio e residência. O artigo 16 estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento e nas relações familiares. Em 20 de dezembro de 1994, o Governo brasileiro notificou o Secretário Geral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas reservas.
A partir dessa ratificação a supra referida Convenção, inúmeros outros relevantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988, dentre eles a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.
Urge, porém, que o Brasil não mais se recuse a aceitar procedimentos que permitam acionar de forma direta e eficaz a international accountability, reconhecendo-se a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, os mecanismos de petição individual e comunicação interestadual previstos nos tratados já ratificados, além de adotar medidas que efetivamente assegurem eficácia aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteção, em especial no tocante a obrigação de eliminar a discriminação contra as mulheres, assegurando o pleno exercício de todos os seus direitos, adotando para tanto política, legislação e educação igualitárias, não descartando "ações afirmativas", para acelerar o processo de obtenção da igualdade, como por exemplo a Lei de Cotas, aprovada em 1995, que reserva, 20% dos cargos para eleições municipais às mulheres.
Cumpre por derradeiro observar que, a Plataforma de Ação de Beijing reconhece que embora as mulheres representem ao menos metade da população mundial, representam apenas 10% do total de legisladores no âmbito mundial e no órgãos administrativos representam menos que 10%.
É de suma importância a participação das mulheres nos Poderes Públicos, o que facilitaria a incorporação da ótica de gênero na formulação e execução de políticas públicas.


3. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Convenção de Belém do Pará(2)


3.1. INTRODUÇÃO
A proteção dos direitos humanos dentro do sistema global (Organização das Nações Unidas — ONU) e regional (Organização dos Estados Americanos — OEA) compreende um sistema geral e um sistema especial de proteção. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher insere-se no sistema regional-especial(3).
No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) a mulher é especialmente protegida. A OEA trouxe significativa colaboração para a proteção jurídica da mulher com a elaboração da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher(4).
É de reconhecimento mundial a situação econômica, social e cultural desigual em que vivem as mulheres. Quanto mais pobre o país pior é a situação da mulher.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sustentou em seu Relatório do Desenvolvimento Humano de 1997 que "Nenhuma sociedade trata suas mulheres tão bem quanto seus homens". O PNUD criou dois índices para medir as diferenças por gênero: o índice de Desenvolvimento por Gênero (IDG) que leva em conta as diferenças de esperança de vida, alfabetização, matrícula na escola e renda entre homens e mulheres e o índice de Poder por Gênero (IPG) que mede o grau de participação das mulheres na força de trabalho, nos cargos de chefia, na política e em profissões técnicas(5).
No ranking do IDG, em geral, os países com melhor índice de Desenvolvimento Humano (IDH) reproduzem bons indicadores também para as mulheres — embora haja exceções: a Irlanda, por exemplo, cai doze posições do ranking do IDH para o do IDG. É o Canadá que acumula os título de campeão de desenvolvimento humano e por gênero.
Entre os noventa e quatro países classificados pela ONU, a Mauritânia é aquele em que as mulheres têm menos poder: apenas 0,7% das vagas no Parlamento e 7,7% dos cargos executivos. É o 127º colocado num ranking que classifica 146 países de acordo com o desenvolvimento humano por gênero.
O Brasil ocupa no IDH o 60º lugar. Já quando se trata do IDG o país despenca oito posições(6).
É em virtude destes e de outros dados que se justifica plenamente a adoção de proteção internacional particularizada para a mulher, que assume com nitidez o perfil de grupo vulnerável na sociedade.
No âmbito dos direitos humanos não é diferente e a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, foi dentre as Convenções da ONU a que mais recebeu reservas por parte dos países que a ratificaram(7).
Não é por outra razão que em Viena, em 1993, por ocasião da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, o movimento de mulheres levou a bandeira de luta: "os direitos da mulher também são direitos humanos", ficando consignado na Declaração e Programa de Ação de Viena (item 18) que:
"Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais".
Foi esta a primeira vez que se reconheceu em um foro internacional que os direitos da mulher são direitos humanos(8).
Também por essa razão é que se renova, agora, essa reflexão por ocasião do qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Enfim, a violência praticada contra a mulher é um dado inquestionável da realidade mundial e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção) reconhece expressamente em sua parte preambular que a violência em que vivem muitas mulheres das Américas sem distinção de raça, religião, idade ou qualquer outra condição é uma situação generalizada.
Objetivamos, com este texto, abordar pontos específicos desta Convenção(9) de modo a verificarmos seu âmbito de atuação, seu grau de proteção às mulheres vítimas de violência, sem esquecermos sua inserção num universo maior de proteção expresso pelas Convenções da Organização das Nações Unidas (ONU) e das outras Convenções da OEA, sob a ótica da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.


3. 2. Breve Histórico
Na verdade, ao abordarmos o histórico desta Convenção poderíamos retroceder a um dos primeiros documentos históricos de proteção de direitos humanos oriundo da Revolução Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789), que nos reporta à triste história de Olimpe de Gouges, escritora que morreu guilhotinada em 3.11.1793 por ousar desejar a igualdade política para mulheres e homens em sua célebre Déclaration des droitis de la Femme e de la citoyanne (1791)(10). Entretanto, nos fixaremos no passado mais próximo que possibilitou, concretamente, a edição da Convenção Interamericana.
A Convenção foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 9 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.
No que toca à preocupação com os direitos da mulher na órbita das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos de forma particularizada destacamos a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (ONU-1979), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA-1994) — nosso objeto de estudo — e a Declaração de Pequim (1995). Todos estes documentos têm a mulher como preocupação central, como foco principal de proteção, pois constatou-se ao longo do tempo a insuficiência da fórmula da "igualdade entre todos" presente nos documentos gerais iniciais, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948) e repetida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (OEA-1948).
A preocupação específica com a violência contra a mulher mereceu uma Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher adotada pela Assembléia Geral da ONU em 20 de dezembro de 1993 (A/RES/48/104). Nesta Declaração a Assembléia Geral reconheceu que a violência contra a mulher era uma manifestação da histórica desigualdade de relações de poder entre mulheres e homens, nas quais as mulheres eram especialmente vulneráveis. E que a violência contra a mulher era um obstáculo para o implemento da igualdade, desenvolvimento e paz(11).
A Declaração exemplifica algumas condutas que podem ser compreendidas como violência contra a mulher referindo-se expressamente à mutilação genital da mulher e outras práticas tradicionais prejudiciais à mulher. É um ponto importante, que frequentemente esbarra na problemática do relativismo cultural e que não foi mencionado pela Convenção de Belém do Pará. A Declaração, neste ponto específico, avança mais na proteção da mulher determinando inclusive que os Estados não devem invocar quaisquer costume, tradição ou consideração religiosa para evitar suas obrigações com respeito a eliminação da violência contra a mulher.
As estudiosas americanas dos direitos da mulher, Elizabeth A.H. Abi-Mershed e Denise L. Gilman(12) assinalam que uma área prioritária nos direitos humanos é assegurar o direito que a mulher tem a estar livre de todo o tipo de violência. E somente recentemente tem sido explorada a extensão em que a violência própria de gênero, especialmente quando perpetrada por atores privados, cai dentro da competência do direito internacional dos direitos humanos.
No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), antes da edição da Convenção de Belém do Pará, alguns documentos importantes a respeito da violência contra a mulher a precederam. A consulta Interamericana sobre a Mulher e a Violência de 1990 e a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, aprovada nesse mesmo ano pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas e a Resolução AG/RES n. 1.128 (XXI-O/91), "Proteção da Mulher contra a Violência" foram documentos precursores na área da violência da mulher, embora sem a mesma força do tratado internacional que foi o ponto culminante daquele processo.


3.3. Conteúdo: direitos protegidos, definição e âmbito de aplicação

A Convenção de Belém do Pará começa por reconhecer que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais, limitando total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercícios destes mesmos direitos e liberdades(13).
A Convenção define violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada
(art. 1º)(14).
Desta forma a Convenção reconhece expressamente que a violência é um fenômeno que afeta todas as esferas de vida da mulher: a vida na família, escola, trabalho e comunidade.
A definição trazida pela Convenção se reveste de significativa importância ao preocupar-se com a violência na esfera privada, a chamada violência doméstica, pois os agressores das mulheres, geralmente, são parentes ou pessoas próximas(15). Desta forma, a violação ao direitos humanos da mulher, ainda que ocorra, no âmbito da família ou unidade doméstica, interessa à sociedade, interessa ao poder público.
A mulher é costumeiramente duplamente penalizada no âmbito das relações domésticas: quando se trata do reconhecimento e valorização do trabalho doméstico, este se torna invisível e desprestigiado(16), porém quando se trata da violência ocorrida dentro deste mesmo espaço imediatamente surgem as vozes em defesa deste espaço "sagrado", "indevassável" por quem quer que seja.
Elisabeth A. H. Abi-Mershed e Denise L. Gilman(17) identificam a freqüente ocorrência da violência doméstica como uma possível explicação para o fato de não se ter muitos casos individuais relativos à violência contra a mulher em discussão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Dizem elas que a violência própria de gênero, contra a mulher é usualmente efetuada por atores privados em lugar de agentes do Estado e geralmente ocorrem no contexto da família(18).
Desta forma, tanto a violência doméstica foi contemplada, como a violência ocorrida no espaço público, ou seja, na comunidade (art. 2º).
A violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica (art. 2º). A convenção faz referência a algumas condutas específicas, dando porém uma redação aberta, possibilitando a existência de outras condutas não previstas. Assim ao tratar da violência ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica cita o estupro, maus-tratos e abuso sexual, sem excluir "outras formas"(art. 2º, "a"). Ao tratar da violência ocorrida na comunidade cita como exemplo o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, instituições educacionais, serviços educacionais ou qualquer outro local, sem também excluir "outras formas" (art. 2º, "b").
O direito a uma vida livre de violência é um direito fundamental das mulheres na esfera pública e privada (art. 3º).
A Convenção estatui que a mulher está protegida pelos demais direitos previstos em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos (art. 4º), mencionando expressamente o direito a que se respeite sua vida, integridade física, mental e moral; direito à liberdade e à segurança pessoais; direito a não ser submetida à tortura; direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família; direito à igual proteção perante a lei e da lei(19); direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem os seus direitos; direito de livre associação; direito de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei; e direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões.
A Convenção entende que a violência contra a mulher impede e anula o exercício dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (art. 5º). De forma que paralelamente à violência física, sexual e psicológica estaria ocorrendo uma violação àqueles direitos(20). Daí a gravidade da violência contra a mulher que é capaz de lesar vários bens jurídicos protegidos, simultaneamente.



3.4. Deveres dos Estados-Partes
A Convenção confere importantes responsabilidades ao Estados na missão de proteger a mulher da violência no âmbito privado e público. O enfoque da Convenção é a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher. Os Estados têm que tomar medidas para prevenir a violência, investigar diligentemente qualquer violação perseguindo a responsabilização dos violadores e assegurar a existência de recursos adequados e efetivos para a devida compensação para as vítimas das violações.
A Convenção adotou a sistemática de deveres exigíveis de imediato, previstos no artigo sétimo e de deveres exigíveis progressivamente, previstos no artigo 8º.
Os deveres constantes do artigo 8º assumem a feição de medidas programáticas a serem adotadas paulatinamente e referem-se em sua maior parte à medidas educativas. São medidas principalmente preventivas, destinadas a evitar a violência contra a mulher. Estas medidas, por sua própria natureza, carecem de justiciabilidade imediata junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, através do sistema de petições. Porém, elas deverão ser obrigatoriamente referidas no sistema de proteção realizado através dos relatórios nacionais enviados à Comissão Interamericana de Mulheres (art. 10).
Ponderamos, entretanto, que os Estados Membros não podem esconder-se sob o manto da "progressividade", para nada fazer em relação as medidas de caráter preventivo e educativo. Se nenhum passo é dado no sentido da realização destas medidas não se pode falar em adoção progressiva, mas sim em omissão total do Estado. Pensamos que tal comportamento não só pode, como deve ser submetido à Comissão de Direitos Humanos na forma do artigo 12 para declarar a omissão do Estado-parte na implementação da Convenção.
Os deveres constantes do artigo sétimo são exigíveis de imediato, havendo a possibilidade de submeter o Estado-parte à Comissão Interamericana de Direitos Humanos através do sistema de petições,
(art. 12) quando não satisfeitos pelo Estado obrigado. Estes deveres, normalmente, atuam para erradicar e punir a violência contra a mulher.
Os Estados, ao ratificarem o Pacto comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados, e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (art. 7º).
Para tanto é exigido do próprio Estado e de suas instituições, autoridades, funcionários e pessoal que abstenham-se de atos e práticas de violência contra a mulher e ajam com zelo para prevenir, investigar e punir, estabelecendo procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeita à violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos. Sendo que estes mecanismos judiciais e administrativos devem ser aptos a assegurar à mulher vítima da violência o efetivo acesso à restituição, reparação e outros meios de compensação justos e eficazes e exigindo do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade.
Outro ponto que merece ser destacado diz respeito a necessidade do Estado de incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e outras que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como modificar ou revogar normas e práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância com este tipo de violência. Ou seja, é importante que à proteção internacional se some a proteção interna.
Até agora as medidas exigidas dos Estados-partes referem-se basicamente à punição e erradicação da violência contra a mulher. Entretanto, medidas preventivas também são exigidas completando o tripé prevenção-punição-erradicação.
Ao tratar das medidas preventivas (art. 8º) a Convenção dispõe que os Estados-partes pactuam em adotar progressivamente programas destinados a: promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e com respeito aos seus direitos humanos; modificar os padrões sociais e culturais de conduta dos homens e mulheres em todos os níveis do processo educacional a fim de combater preconceitos e estereótipos; promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei; prestar serviços especializados apropriados à mulher sujeitada à violência; incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas, de divulgação que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher; assegurar a pesquisa e coleta de estatísticas e outras informações relevantes concernentes às causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, entre outras medidas.
Dentro da perspectiva da igualdade observada a diversidade, a Convenção recomenda aos Estados-Partes que levem em conta, no cumprimento de seus deveres, as situações específicas da mulher, considerando a situação da mulher vulnerável à violência por sua raça, origem étnica ou condição de migrante, de refugiada ou de deslocada, entre outros motivos e também considerando a violência à mulher gestante, deficiente, menor, idosa ou em situação sócio-econômica desfavorável, afetada por situações de conflito armado ou de privação da liberdade.


3.5. Mecanismos de Implementação
Os mecanismos de implementação da Convenção que possibilitam a existência de um sistema interamericano de proteção são de duas naturezas. O primeiro é consubstanciado por um sistema de relatórios nacionais. Ou seja, os Estados-partes deverão incluir nos relatórios enviados à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para prestar assistência à mulher afetada pela violência, bem como sobre as dificuldades que observarem na aplicação das mesmas e os fatores que contribuam para a violência contra a mulher (art. 10).
O segundo sistema possibilita que qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não-governamental juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização apresente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de violação do artigo sétimo da Convenção por um Estado-parte, devendo a Comissão considerar tais petições de acordo com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para a apresentação e consideração de petições (art. 12).
Haveria uma discussão sobre a possibilidade do acesso à Corte Interamericana no que toca a Convenção de Belém do Pará, por não haver previsão expressa no artigo 12 da Convenção, diferentemente do que ocorre por exemplo, com a Convenção Interamericana sobre Desaparição Forçada de Pessoas, adotada em 1996 pela OEA que em seu artigo 13 (de redação similar ao art. 12 da Convenção de Belém do Pará) previu expressamente a submissão de seus procedimentos à Comissão e à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Segundo Viviana Krsticevic(21) a questão estaria superada na medida em que os deveres constantes do artigo 7º da Convenção constituem aplicação específica das obrigações do Estado de acordo com a Convenção Interamericana. Ou seja, os deveres expressos na Convenção de Belém do Pará são decorrentes, são desdobramentos específicos dos constantes na Convenção Americana. Assim sendo deve se aplicar ao procedimento das petições previstos pelo artigo 12 as condições e mecanismos estabelecidos pela Convenção Americana, que são a regra geral para todas as denúncias.
Há, ainda, a possibilidade de se solicitar à Corte Interamericana de Direitos Humanos(22) parecer sobre a interpretação desta Convenção. Somente os Estados-partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos podem fazê-lo (art. 11).


4. Conclusão
Inúmeras causas podem ser apontadas como fatores geradores de violência contra a mulher, principalmente no âmbito familiar: a falta ou instabilidade no emprego, a pobreza, as condições inadequadas de moradia, a promiscuidade que caracterizam as moradias precárias etc. Mas queremos ressaltar uma característica cultural, fruto de uma sociedade marcadamente patriarcal que se relaciona de forma absolutamente machista.
Segundo Maria Angélica Fauné(23) as raízes da violência são mais profundas e estão no machismo que está arraigado na cultura centroamericana. Para o machismo a violência constitui um valor positivo, um componente central na construção da identidade masculina, cujos atributos são a dureza, a força, a agressividade. Esta violência se inicia desde o casamento, no qual a união é vivida como uma relação entre possuidor (homem) e possuída (mulher). Os filhos também são tratados como propriedade dos pais. O conceito de amor legitima os elos e as exigências de fidelidade. A impossibilidade de estabelecer relações eqüitativas dentro da relação afetiva, entre pais e filhos, entre mães e filhos, entre irmãos e irmãs faz com que a violência seja um mecanismo de solução dos conflitos(24).
Em virtude deste componente cultural, que não pode ser ignorado, é que se faz igualmente fundamental a ação educativa(25). Somente através de políticas públicas efetivas no campo da educação o problema da violência poderá ser minimizado. Desta forma as medidas repressivas e punitivas presentes na Convenção de Belém do Pará adquirem significado se houver por parte dos Estados envolvidos um comprometimento eficaz com a prevenção da violência contra a mulher.
Logo percebe-se que o problema é complexo e envolve medidas judiciais, administrativas, legislativas, econômicas, sociais e culturais sem as quais fica impossível dar um tratamento global a este sério problema.
Neste sentido, Norberto Bobbio(26) fez uma constatação fundamental ao afirmar que o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos humanos não é mais o de fundamentá-los e sim o de protegê-los.
Os direitos da mulher possuem uma razoável densidade legislativa. É imprescindível que saibamos e queiramos implementá-los o quanto antes.


Helena Omena Lopes de Faria
Procuradora do Estado da Coordenadoria de Procedimentos disciplinares da Procuradoria Geral

Monica de Melo
Advogada e Defensora Pública




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