A Legislação e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana - desafio e Perspectiva
A Legislação e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana: desafios e perspectivas
Antônio Roberto Xavier
Resumo: Este artigo tem por escopo central discutir de forma teórica e conceitual as propostas de ensino-aprendizagem sobre a cultura e história Afro-Brasileira e Africana com base na previsão da legislação educativa brasileira auxiliada com bibliografia vinculada à temática. A problemática vislumbrada paira no fato de que apesar de o Brasil ter sido construído pelas mãos de africanos escravizados, este reconhecimento quase não existe ou resiste em não vir à tona diante de uma tentativa de implantação da cultura eurocêntrica na nação. Sabe-se, porém, que a história sobre os estudos culturais Afro-Brasileiros concebe ontologicamente de que o Brasil é inegavelmente um país e pluricultural, sendo a cultura Afro-Brasileira prevalecente. Com o advento da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, os estudos e reconhecimento sobre a presença da cultura Afro-brasileira no País tomou impulso. Logo em seguida à promulgação da Lei nº 10.639/2003, foi criada pela Medida Provisória (MP) nº 111, de 21 de março de 2003, convertida em Lei nº 10.678, em 23 de maio de 2003, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), que reconhece e legitima as lutas históricas do Movimento Negro brasileiro.
Palavras-Chave: Lei nº 10.639/2003. Cultura Afro-Brasileira. História Afro-Brasileira e Africana.
Abstract: This article is central scope discuss theoretical and conceptual way the teaching-learning proposals on culture and african-Brazilian history and African-based forecast of the Brazilian education legislation assisted with bibliography linked to the theme. The envisioned issue hangs in the fact that although Brazil has been built by the hands of enslaved Africans, this recognition is almost nonexistent or resists not surface before an attempt to establish the Eurocentric culture in the nation. It is known, however, that the story about the african-Brazilian cultural studies conceived ontologically that Brazil is undeniably a multiethnic and multicultural country, with the prevailing african-Brazilian culture. With the enactment of Law No. 10.639 of January 9, 2003, the studies and recognition of the presence of Afro-Brazilian culture in the country took off. Immediately after the enactment of Law No. 10.639 / 2003, was created by Provisional Measure (MP) No. 111 of March 21, 2003, converted into Law No. 10,678, on May 23, 2003, the Secretariat for the Promotion of Racial Equality (SEPPIR), which recognizes and legitimizes the historical struggles of the Brazilian black movement.
Keywords: Law 10.639/2003. Afro-Brazilian Culture. History Afro-Brazilian and African.
Sumário: Introdução. 1. A Legislação e o Ensino de História e Cultura Afro-Barsileira e Africana 2. O Ensino de História e Cultura Afro-Barsileira no Livro Didático. Conclusão. Referências.
Introdução
Este artigo tem por escopo central discutir de forma teórica e conceitual as propostas de ensino-aprendizagem sobre a cultura e história afro-brasileira e africana com base na previsão da legislação educativa brasileira auxiliada com bibliografia vinculada à temática. A problemática vislumbrada paira no fato de que apesar de o Brasil ter sido construído pelas mãos de africanos escravizados, este reconhecimento quase não existe ou resiste em não vir à tona diante de uma tentativa de implantação da cultura eurocêntrica na nação. Sabe-se, porém, que a história sobre os estudos culturais afro-brasileiros concebe ontologicamente de que o Brasil é inegavelmente um país multiétnico e pluricultural, sendo a cultura Afro-Brasileira prevalecente.
É consenso geral de que a sociedade brasileira é uma nação pluricultural em seus mais variados aspectos de raça, religião, etnia e muitos outros aspectos que por vezes não são reconhecidos ou aglutinados em um setor ou outro. Mas, é também uma realidade histórica no seio da sociedade brasileira a existência patente de atitudes preconceituosas, discriminatórias, xenófobas e desigualdades sociais gritantes em razão de cor, religião e/ou opção sexual. É também pressuposto básico e inegável de que o País foi construído pela mão de obra africana, sobretudo escrava que não somente trabalhou, mas povoou e constituiu a seiva cultural da nação.
Diante das premissas supracitadas tornam-se necessárias algumas indagações que, por sua vez, nos remetem a reflexões em busca de compreensões e transformações de realidades postas ou impostas, inclusive no âmbito educacional. Neste sentido, é racional indagarmos: se o Brasil é um país cuja identidade cultural é, sobretudo africana, porque ao longo de sua construção e formação intelectual tentou-se negar esse fato primando-se por uma suposta ou falsa identidade cultural europeia? Como explicar as gritantes e perversas desigualdades sociais em razão da cor, raça, credo, opção sexual e/ou gênero? Apesar dos avanços historiográficos e nos dispositivos legais do País no sentido de busca do reconhecimento da Cultura Afro-Brasileira e Africana, como se tem trabalhado essas questões no âmbito de conteúdos teóricos, epistemológicos e metodológicos educacionais em geral e especificamente na EJA? Essas e outras problematizações acompanham o trabalho de pesquisa o tempo todo indo do teórico ao empírico e vice-versa num movimento dialético e dialógico o tempo todo.[1]
Neste sentido, discutir sobre o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana com base na legislação e outras diretrizes no âmbito educacional brasileiro é o principal objetivo deste artigo. Justificadamente a temática em tablado tem sido uma constante e intensa nas últimas 02 (duas) décadas deste século XXI, sobretudo com o advento da promulgação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 e com a Medida Provisória (MP) nº 111, de 21 de março de 2003, convertida em Lei nº 10.678, em 23 de maio de 2003, que criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Estes dispositivos buscam reconhecer e legitimar as lutas históricas do Movimento Negro desde as décadas de 1980-90, que, além disso, “reivindica que a questão racial deveria ser compreendida como uma forma de opressão e exploração estruturante das relações sociais e econômicas brasileiras, acirrada pelo capitalismo e pela desigualdade social” (GOMES, 2011, p. 3). Partimos da hipótese de que apesar de haver a negação do racismo no Brasil e de que no Brasil existe uma democracia racial, “os dados do IBGE (2000-2010), comprovam que as populações negra e indígena recebem os piores serviços públicos e estão na base da pirâmide da distribuição de renda” (OLIVEIRA; FERREIRA; ARAGÃO, 2011, p. 698).
1. A Legislação e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
O ponto de partida desta seção poderia ser suscitado a partir da premissa tautológica parodiadora e instigante ao aceitarmos que se os europeus (especialmente os portugueses) descobriram o Brasil, os africanos (vários povos sequestrados da parte subsaariana do continente africano), o construíram. Mas, quem conta essa história e como ela é abordada nos livros didáticos? Essas são questões fundamentais quando fazemos uma análise da literatura que trata da História da Cultura Afro-Brasileira e Africana, pois
“Apesar de a África ser o continente mais próximo do Brasil, de existirem imensas semelhanças humanas e naturais entre ambos, de ter havido uma forte interação ao longo da história e de os afrodescendentes constituírem cerca de um terço de nossa população [...], existe um desconhecimento profundo de sua história e de nossas relações com ela. Ainda assim, no entanto, a África está se tornando moda. Proliferam cursos e publicações, muitos dos quais bastante superficiais, emotivos e equivocados. A África ou a cultura africana, como totalidade histórica, não existe abstratamente em si mesma, pois representa, de certa forma, a resposta a uma criação europeia. A cultura africana constitui um movimento reativo transatlântico antiescravista e antirracista, surgido em fins do século XIX.” (VISENTINI; RIBEIRO; PEREIRA, 2013, p. 12).
Essa falta de conhecimento ou dizendo melhor: esse desprezo pelo conhecimento da cultura constituidora e formadora da nação causou e causa consequências irreparáveis para o projeto de nação que busca ser democrática, igualitária, fraterna e liberta de preconceitos, discriminação e de qualquer forma de xenofobismo. Para tanto, é necessário retirar as vendas ou máscaras que insistem em permanecer para não enxergar os horizontes de nossa ancestralidade cultural. Por conta dessas máscaras nossas visões não conseguiram e não conseguem enxergar com nitidez nossa argamassa cultural africana. Parece até que somos adeptos das infelizes e discriminatórias assertivas daquele que até hoje é considerado o maior filósofo do Estado alemão de sua época:
“A África não faz parte da história mundial; não tem nenhum movimento ou desenvolvimento para mostrar, e o que porventura tenha acontecido nela – melhor dizendo, no norte dela – pertence ao mundo asiático ou europeu. Na verdade, o que entendemos por África é algo fechado sem história, que ainda está no espírito natural e que teve que ser apresentado no limiar da história mundial.” (HEGEL, 2008, pp. 82-88).
Essa visão eurocêntrica embora não tenha tido repercussões ou estudos mais significativos a partir dela, pelo menos no âmbito dos historiadores e filósofos que sucederam a Hegel, parece mais uma previsão implícita do que era e do porvir em relação à História e Cultura da África. Quando o assunto é a História da Cultura Afro-Brasileira e Africana, no máximo, enxergamos com olhares turvos apenas algumas fagulhas exóticas dessa cultura mãe expressas nos “famigerados capítulos denominados contribuições da cultura africana (capoeira, feijoada, samba, música, candomblé)”, e/ ou em manifestações reducionistas do gênero. Todavia, outras significativas contribuições dos africanos para a formação e construção da nação não são elencadas nos livros didáticos, a saber: “As tecnologias, costumes, estruturas políticas, econômicas e sociais trazidas pelos africanos não são devidamente reconhecidos e integrados à História do Brasil” (CLARO, 2012, p. 9). Deste modo, ao se falar de cultura é preciso ter em mente que cultura se refere a toda produção material e imaterial humana acumulada e preservada ao longo de suas histórias de vida e transmitida de geração em geração. O reconhecimento da cultura emancipa a pessoa e lhe proporciona cidadania. Mesmo após sua morte a cultura preserva e traz à tona, através da memória, o legado histórico, sua representação e simbolismo (GEERTZ, 1973; SODRÉ, 1994; HOLANDA, 1995; XAVIER; XAVIER; LOPES, 2014).
Ao longo da produção e introdução do livro didático nos ambientes escolares brasileiros desde o advento da República, a tônica dos conteúdos sempre se voltou para tendências eurocêntricas positivistas (FERNANDES, 2005) e a exaltação ufanista interna dos grandes vultos e heróis como legitimadores da identidade da história nacional. O olhar sobre os legítimos construtores da nação sempre foi relegado ao desprezo ou ao esquecimento. O fato é que a maioria de nossa produção intelectual sempre pintou com a tinta do preconceito, da discriminação e da somenos importância a História da Cultura Afro-Brasileira e Africana ou quando muito reduz as questões sobre a cultura africana no Brasil apenas a questão da escravidão. Somente a partir do advento da Redemocratização e Promulgação da Constituição de 1988 é que algumas medidas de proteção aos direitos e garantias aos negros no Brasil passam a ser implementadas. “As leis e as normas que instituem a discriminação racial como crime, tal como o Art.º 5º da Constituição Federal de 1988, a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação e do Desporto e Secretaria de Ensino Fundamental, em 1998” (SILVA, 2011, p.1).
Esses passos iniciais não surtiram muito efeito na prática no seio das relações étnico-raciais, pois o longo passado de discriminação e de negação de negros encontrava-se e ainda permanece arraigado e sedimentado na mentalidade e nas práticas do cotidiano da sociedade brasileira. Porém, foi somente com o aparecimento de base documental legal que algumas mudanças começam a surgir de maneira mais significativa. Essa base legal tem sua gênese tão logo Luís Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República e Promulgou a Lei nº 10.639/2003, estabelecendo a inclusão obrigatória no currículo da Rede Pública e Particular do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Em seguida vem o Parecer do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno – CNE/CP 03/2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN’s para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em caráter Nacional e nos Estados da Federação. Em princípio essas medidas em prol do Ensino da Cultura Afro-Brasileira e Africana no sistema escolar brasileiro foram consideradas tão somente como uma reparação da dívida histórica aos africanos trabalhadores e constituidores da nação. Contudo,
“A inclusão da temática africana deve ser vista como uma continuidade das lutas e resistências dos povos da África e dos africanos escravizados na América. Como as guerras contra o invasor, como as fugas e os quilombos, o reconhecimento da História da África e da História dos afrodescendentes impõe-se como a preservação e a reconstituição da memória de uma história tão desfigurada e violada quanto o foram as formações sociais e as culturas africanas”. (CLARO, 2012, p. 8).
O debate sobre o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana de modo geral tem sido uma temática constante e intensiva nas últimas 02 (duas) décadas deste século XXI, sobretudo com o advento da promulgação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 e com a Medida Provisória (MP) nº 111, de 21 de março de 2003, convertida em Lei nº 10.678, em 23 de maio de 2003, que criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Estes dispositivos buscam reconhecer as lutas históricas do Movimento Negro desde as décadas de 1980-90, reivindicando que a “questão racial deveria ser compreendida como uma forma de opressão e exploração estruturante das relações sociais e econômicas brasileiras, acirrada pelo capitalismo e pela desigualdade social” (GOMES, 2011, p. 3).
É fato que nas últimas décadas as reivindicações de movimentos negros pelo reconhecimento e equidade social têm consolidado visibilidade, sobretudo com o advento da Lei Nº 10.639/2003. Esta alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional), estabelecendo a inclusão obrigatória do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira nos currículos oficiais das Redes de Ensino. Para tanto, se faz necessária uma abordagem mais consistente que englobando a História da Cultura Afro-brasileira e Africana. De certo modo, esses dispositivos têm agregado renovações e inovações historiográficas significativas no que diz respeito à introdução de conteúdos curriculares nos voltados para essa temática.
2. O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira no Livro Didático
Todavia, é de suma importância avaliar em quais perspectivas o conteúdo do Livro Didático têm abordado a temática em epígrafe e quais têm sido os procedimentos metodológicos empregados para trabalhar o assunto em sala de aula. A alusão ao Livro Didático é imprescindível, pois este é concebido como uma fonte de pesquisa histórica e se apresenta como um indispensável instrumento para o conhecimento do acervo cultural da humanidade, bem como um instrumento propício de estímulo à crítica e reflexão da realidade.
O reconhecimento de que no Brasil houve e ainda há um histórico déficit no âmbito da educação em suas variadas esferas. Em razão disso e tentando reparar esse fatídico déficit, amplas e diversificadas transformações em estatutos, normas, leis e diretrizes, sobretudo após a instalação do estado democrático e de direitos consolidado com a promulgação da Constituição Federal de 1988, têm sido efetivado.
É cabível esclarecer que o Brasil figura como o terceiro ou segundo país a ter mais afrodescendentes levando em conta a Nigéria (com 154 milhões de habitantes) e a Etiópia (82 milhões de habitantes), ambos os países da África. Mas, se for levado em consideração o quesito fora do continente africano, o Brasil é o País a ter o maior número de afrodescendentes do mundo. Todavia, a formação da sociedade brasileira encarnou e/ou foi cooptada por um pensamento e uma tendência de cultura eurocêntrica intensamente. A começar pelo legado religioso católico que massificou através de seus ritos e mitos uma pretensa cultura baseada nas tradições eurocêntricas ou como diz Ianni (2004, p. 50-51), o catolicismo no Brasil, “Torna-se fundador e fundante de toda a história do país, com a simbologia da ‘Primeira Missa’, quando se adotam os nomes: ‘Terra de Vera Cruz’, Terra de Santa Cruz’, ‘Brasil’”.
A documentação de base legal encetada em apoio ao Ensino da História Afro-Brasileira e Africana somada às produções historiográficas didáticas, paradidáticas e transdidáticas apontam para novos temas e novos objetos de estudos nas práticas educativas escolares e acadêmicas relacionadas ao tema da História da Cultura Afro-Brasileira e Africana. Vale ressaltar que essas deliberações não foram apenas benesses governamentais gratuitas. Foi o resultado de lutas históricas dos movimentos negros iniciados na “década de 1930 [...] que colocaram o debate das ações afirmativas na pauta das políticas públicas sociais” (OLIVEIRA; FERREIRA; ARAGÃO, 2011, p. 700), apoiados por grupos docentes e com a sensibilidade e consciência de um governante oriundo da grande massa popular brasileira. Consoante o pensamento de Gomes (2011) e ampliando a visão mais crítica e reflexiva sobre os significados dessas lutas históricas podemos denotar que
“A partir desse momento, as suas reivindicações passam a focar uma outra intervenção política: a denúncia da postura de neutralidade do Estado frente a desigualdade racial reivindicando do mesmo a adoção de políticas de ação afirmativa e a intervenção no interior do próprio Estado mediante a inserção de ativistas e intelectuais do Movimento Negro nas administrações municipais e estaduais de caráter progressista e no próprio governo federal. No entanto, mesmo quando essa inserção acontece, ao ser comparada com o segmento branco da população, acaba por revelar a continuidade da desigualdade. Os negros ainda encontram-se, na sua maioria, representados de forma precária e, por vezes, subalterna, nos escalões do poder.’ (p. 11).
Pelo visto, nem tudo está resolvido ou concluído “no que diz respeito à relação Brasil-África, há ainda muitos passos a serem dados para que um diálogo multicultural contemple o continente africano como um todo” (OLIVEIRA; RAMOS; OKOUDOWA, 2013, p. 17). Para tanto, se faz necessário uma tomada de consciência cada vez mais intensa de que a sociedade brasileira ainda não se libertou ou talvez continue cultivando o preconceito e a discriminação étnico-racial, pois conforme dados oficiais do governo federal divulgados em 2012 pela Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE, em parceria com a Faculdade Zumbi dos Palmares, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e Fundação Getúlio Vargas, apesar de 51% de a população brasileira ser formada por negros, apenas 20% destes ganham mais de 10 (dez) salários mínimos e somente 20% da população negra do País chega a cursar uma pós-graduação[2] (IBGE, 2012).
“A discriminação socioeconômica e racial está em todas as esferas da sociedade e vivenciada das mais diferentes formas. Apesar de muitas vezes não ser explícito, o preconceito pode estar presente em um olhar, um gesto, um ato que à primeira vista parece ingênuo, porém está carregado de estigma, ideias infundadas, geradas por anos de injustiça no processo civilizatório da nação” (OLIVEIRA; FERREIRA; ARAGÃO, 2011, p. 698).
Essa tomada ou retomada de consciência deve ser uma constante, sobretudo no âmbito das políticas afirmativas educacionais, pois até hoje nas escolas brasileiras estão refletidas a reprodução da desigualdade e a discriminação étnico-racial (MUNANGA, 2008). Essas são questões desafiadoras para a educação brasileira como todo e, especificamente aos corpos discentes da base, principalmente aqueles que por razões diversas ultrapassaram a faixa etária de frequentarem ao ensino formal, mas que percebem a necessidade de ingressarem ou retomarem os bancos escolares através da EJA. Mais do que ninguém o público desta modalidade de ensino-aprendizagem necessita de recursos humanos (docentes) e logísticos (recursos materiais de infraestrutura e didático-pedagógicos) capazes de promoverem o Ensino de História da Cultura Afro-Brasileira e Africana de maneira a convergir com suas realidades de vida e de mundo do trabalho na busca da emancipação humana. Mas, apesar de todas as campanhas, incentivos e políticas afirmativas governamentais em prol do combate/controle do preconceito, da discriminação e das injustiças étnico-raciais “nos livros didáticos, na televisão, no cinema, na escola, infelizmente ainda vemos marcas do preconceito. E estas são disseminadas, de forma camuflada, sendo multiplicada em nossa sociedade” (OLIVEIRA; FERREIRA; ARAGÃO, 2011, p. 700).
Conclusão
Na realidade educacional das escolas brasileiras ainda existem currículos e materiais didáticos silenciadores do preconceito, das discriminações e das injustiças sociais historicamente praticados contra a população africana no País. Muitas crianças, jovens e adultos abandonam ou não ingressam no ensino formal temendo nossos “males de origem” que persistem em adotar nas nossas escolas padrões eurocêntricos mal digeridos e não identificáveis com nossas raízes culturais em detrimento das nossas bases culturais de natureza indígena, africana e Afro-Brasileira . Este distanciamento cultural promove a sensação de falta de pertencimento identificatório e contribui para aumentar o índice de evasão escolar da população afro-brasileira. O chicote ainda soa contra tambores da alegria e das gingas linguísticas e corpóreas africanas e afro-brasileira presentes nos 4 (quatro) cantos deste imenso território.
Diante do quadro teórico esboçado até aqui sobre o Ensino da Cultura e da História Afro-Brasileira e Africana percebemos que há muita coisa a fazer e uma das ferramentas poderosíssima para a construção voltada para nossas bases ou raízes culturais está na construção descolonializada do currículo no Livro Didático. Urge, desta maneira, uma profunda análise epistemológica e teórico-metodológica do material didático-pedagógico empregado no Ensino Fundamental de História Afro-Brasileira e Africana, pois como prever os dispositivos oficiais de governo esta é uma matéria inter e transdisciplinar que deve ser trabalhada em todo o currículo Escolar, especialmente em Educação Artística, História e Literatura do Brasil e em Religião.
Referências
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______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências.
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Notas:
[1] VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha; KHOURY, Yara Maria Aun. A pesquisa em história. São Paulo: Editora Ática, 2003.
[2]Disponívelem:<http://www.sae.gov.br/site/?p=11130#ixzz3PBTrGzyu;<http://www.sae.gov.br/site/?p=11130#ixzz3PBT4WwCY>Acesso: 15 jan. 2015.
Informações Sobre o Autor
Antônio Roberto Xavier
Doutor em Educação UFC; Professor Efetivo da UNILAB; Mestre em Planejamento e Políticas Públicas UECE; Mestre em Políticas Públicas e Sociedade UECE; Especialista em História e Sociologia URCA; Licenciado em História UECE
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