As crianças da America Central em fuga das gangues de rua



Crianças e adolescentes deixam países da América Central para fugir de gangues de rua


O número crescente de gangues de rua e o aumento dos índices de violência levaram mais de 110 mil salvadorenhos, hondurenhos e guatemaltecos — entre eles muitas crianças e adolescentes — a buscar refúgio em países vizinhos no ano passado, principalmente no México e nos Estados Unidos. Esse número representa um aumento de mais de cinco vezes em apenas três anos, segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
Família frequenta centro administrado pelo governo em Santa Ana, El Salvador, que dá oficinas e treinamento para adolescentes, oferecendo um espaço seguro longe da vida das gangues. Foto: ACNUR/Tito Herrera
Família frequenta centro administrado pelo governo em Santa Ana, El Salvador, que dá oficinas e treinamento para adolescentes, oferecendo um espaço seguro longe da vida das gangues. Foto: ACNUR/Tito Herrera
Dois membros da gangue Barrio 18 esperaram até que os pais de Maribel*, de 15 anos, saíssem para chamá-la na casa da família nos arredores de San Salvador, El Salvador. Quando ela se dirigiu à porta, disseram que a estuprariam.
“Consegui usar todas as minhas forças para fechar a porta. Eles ainda estavam lá fora, gritando, quando liguei para meu pai”, lembra Maribel. Membros das gangues assassinas de rua, os chamados “maras”, já mataram meninas, e até mesmo seus pais.
Depois do ocorrido, o pai de Maribel logo percebeu que não era mais seguro sua filha adolescente permanecer no bairro, e fugiu com a família para outra região no oeste de El Salvador.
Maribel está entre um número cada vez maior de crianças e adolescentes lutando por suas vidas em meio ao agravamento da violência nos chamados países do Triângulo Norte da América Central: El Salvador, Honduras e Guatemala.
Com as práticas de extorsão, roubo e sequestro, o alcance das gangues estende-se por toda a região e além, transformando favelas urbanas e vilarejos desordenados em uma colcha de retalhos de territórios rivais.
Mesmo longe dos membros da gangue Barrio 18, Maribel não está segura. No bairro para o qual fugiu, permanece cercada por membros da gangue rival, a Mara Salvatrucha.
“Mesmo não tendo nenhum envolvimento com as gangues, pode ser difícil mantê-las fora de sua vida”, declarou. “Eles se sentem imbatíveis, porque possuem armas e as pessoas têm medo. Pensam que podem matar e estuprar quem quiserem”.
Os pré-adolescentes também são afetados pelas gangues. Ruth, de 12 anos, frequenta um centro administrado pelo governo que dá oficinas e treinamentos para adolescentes e fornece um espaço seguro longe da vida das gangues.
Diariamente, Ruth encontra membros das gangues na rua em que mora, enquanto muitos colegas de classe estão entre eles. “Se eles me cumprimentarem, direi ‘olá’, porque não quero ignorá-los e deixá-los zangados. Mas eu tento não ficar perto, porque sei que isso só resultará em problemas”, declarou.
O número crescente de gangues e o aumento dos índices de violência levaram mais de 110 mil salvadorenhos, hondurenhos e guatemaltecos a buscar refúgio nos países vizinhos no ano passado, principalmente no México e nos Estados Unidos, um aumento de mais de cinco vezes em apenas três anos, segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).
As crianças estão particularmente em risco. Dezenas de milhares de jovens como Maribel fugiram de suas casas para buscar refúgio em outras regiões do país ou no exterior.
“Eles estão presos no meio dessas duas gangues que estão constantemente em conflito, e isso leva as pessoas a tentar encontrar lugares mais seguros para viver”, disse Jose Samaniego, chefe do escritório do ACNUR no Panamá. “Isso tem um impacto de longo prazo sobre sua educação e suas vidas”.
A violência sexual ou ameaças são apenas um dos perigos que as crianças enfrentam nas mãos das gangues. Na vizinha Guatemala, David descreveu como os “mareros”, armados com facas e revólveres, tentaram forçá-lo a entrar na gangue com um brutal ritual de iniciação quando tinha apenas 14 anos.
“Eu estava sentado em um campo de futebol perto da minha casa, quando eles se sentaram ao meu lado e me ofereceram maconha, mas eu disse que não fumava, e então eles me deram cerveja. Depois eles me bateram 13 vezes, disseram que eu tinha passado no ato de iniciação e que agora era parte da gangue”, lembra David, que não viu outra alternativa a não ser lutar por sua vida.
“Fui embora da casa da minha mãe no dia seguinte e fiquei com um amigo da família do outro lado da cidade. Se eu tivesse voltado para lá e me recusado a entrar na gangue, eles teriam me matado”, acrescentou.
A divisão dos territórios de gangues rivais tornaram-se linhas manchadas de sangue que atravessam cidades como bordas irregulares e perigosas. Adolescentes podem até ter problemas para ir à escola, se suas rotas cruzarem essas fronteiras.
“Há jovens que podem chegar à escola em apenas sete minutos, mas eles não vão por esse determinado caminho, porque isso significa passar por um território dominado por uma gangue. Eles têm que percorrer de oito a dez quarteirões para pegar um ônibus e acabam gastando 40 minutos para chegar à escola”, disse Mauricio Gaborit, da Universidade Centro-Americana, em San Salvador, que estuda a violência no país. “Para os jovens, chega um momento em que a situação é insustentável”.
Romper os laços familiares e comunitários é uma experiência desgastante e arriscada para as crianças. Mas jovens como David dizem que sentem que não têm outra opção. “Eu não queria deixar minha mãe e meu irmão mais novo quando eu tinha apenas 14 anos, mas o que mais eu poderia fazer?”, perguntou. “Você chega a um ponto no qual você só tem que pensar em sobreviver”.
*Todos os nomes das crianças foram alterados para fins de proteção.
Um grupo de jovens aprende a consertar um motor em uma oficina de mecânica de carros em um centro governamental para a comunidade e jovens de Santa Ana, El Salvador. © UNHCR/Tito Herrera
Um grupo de jovens aprende a consertar um motor em uma oficina de mecânica de carros em um centro governamental para a comunidade e jovens de Santa Ana, El Salvador. © UNHCR/Tito Herrera


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