contra a PEC 55, povos ancestrais ocupam universidade na Amazonia
Contra a PEC 55, povos ancestrais ocupam universidade na Amazônia
Rogério Almeida
Auricelia cursa o oitavo período de Direito na Universidade do Oeste do Pará (UFOPA). A jovem de 29 anos faz parte do povo Arapiun, um dos 18 grupos que integram a diversidade indígena do Baixo Amazonas paraense.
A acadêmica é um dos 40 indígenas que ocupam desde a semana passada, a unidade Rondon da UFOPA, no município de Santarém, cidade polo do oeste paraense. Os representantes ancestrais protestam contra a PEC 55, e outras medidas do Congresso Nacional que ameaçam a integridade de seus territórios e a sua reprodução econômica, cultural, política e social.
Além dos indígenas, quilombolas engrossam a ocupações da unidade Amazônia. Três núcleos dão vida a jovem UFOPA, que somou sete anos este mês, e tem a sua consolidação ameaçada por uma série de cortes promovidos pelas medidas de ajuste fiscal do governo federal.
Povos ancestrais – 320 indígenas de 18 povos e mais 130 quilombolas fazem parte do quadro discente da UFOPA. É uma das maiores ações de política afirmativa da educação no Brasil. Para tratar do público especifico foi criada a Diretoria de Ação Afirmativa (DAA) ligada à Pró- Reitoria de Gestão Estudantil (Proges). A bolsa de R$900 reais ajuda na manutenção dos educandos na cidade.
O Diretório Acadêmico Indígena (Dain) e o Coletivo de Estudantes Quilombolas (CEQ) são as representações políticas dos povos ancestrais. Auricelia queixa-se que a universidade não se preparou para receber os povos originários. “Infelizmente, aqui sofremos preconceitos de professores e colegas. A nossa formação é diferenciada. Temos problemas de adaptação, e alguns de nós, a exemplo dos Wai-Wai, não falam o português”.
Em nota a UFOPA reconhece os seus limites, mas, se defende dizendo que tem eivado esforços para a permanência dos estudantes que ingressam na universidade por meio de um processo seletivo especial.
Com relação aos ruídos que ocorrem entre as populações tradicionais e os demais membros da universidade são mediados pela ouvidoria. Os casos mais graves chegam até o Ministério Público Federal.
“Tivemos um caso delicado com um professor. Ele foi bem preconceituoso com a gente. Buscamos a ouvidoria e o MPF. Após diálogo entre as partes houve retratação e, em seguida, o professor promoveu junto com os indígenas uma mesa de debate sobre o tema do preconceito”, conta a indígena Arapiun.
O Baixo Amazonas é um dos eixos de integração do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo do federal. Banhado pelos caudalosos rios Tapajós e Amazonas, constitui uma saída para o oceano Pacífico, o que representa uma economia significativa para o escoamento de grãos que se avoluma no Brasil central, em particular no Mato Grosso.
É o extrativismo, as commodities de grãos e, em particular, a mineral,que conformam a base da economia do estado do Pará, que é duplamente condenado ao atraso por conta da sua base econômica e da Lei Kandir, que desonera a exportação de produtos primários e semielaborados.
O cenário marcado pelo avanço da soja, pelo incremento de modal de transportes (rodovia, hidrovia e ferrovia), abertura de novas frentes minerais, projetos de complexos portuários e estações de transbordo de cargas, e a construção de 43 hidrelétricas de diferentes tamanhos para o rio Tapajós e seus afluentes Teles Pires, Juruena e Jamanxim ameaçam os territórios indígenas, quilombolas e projetos de assentamentos rurais, composto por complexo campesinato que sobrevive em terra firme e várzea, além de um mosaico de unidades de conservação. Soma-se ao quadro a extração ilegal de madeira e garimpos.
É neste contexto pouco alentador que a UFOPA nasceu, com a missão de responder que projeto de desenvolvimento seria mais adequado à complexidade regional, onde esgrimam um conjunto de sujeitos articulados em diferentes redes local, regional, nacional e mundial. Alcoa, Cargil, Bunge são algumas das grandes corporações com interesses na região, para não falar do Grupo Maggi.
No outro extremo, as populações ancestrais, historicamente punidas com as políticas de integração da Amazônia subordinadas às demandas dos estados economicamente mais desenvolvidos e às economias centrais. No século passado, são célebres os empreendimentos de Henri Ford e de Daniel Ludwig.
Cortes ameaçam o futuro da UFOPA – A UFOPA nasceu da fusão das Universidades Federal do Pará e da Federal Rural, e assimilou também outras unidades da UFPA e da UFRA para a formação nos municípios de Alenquer, Itaituba, Juruti, Monte Alegre, Óbidos e Oriximiná.
937 funcionários integram o quadro funcional da instituição de ensino, destes, 383 são docentes distribuídos em quase 40 cursos em três unidades, Tapajós, Rondon e Amazônia, com sede em Santarém, a terceira cidade mais populosa do estado. Além de cursos de graduação, a universidade conta com cursos de mestrado e doutorado com forte apelo para as realidades amazônicas.
Ocupa UFOPA – a comissão de ocupação, que iniciou no começo do mês, avaliaque o espaço abre uma grande oportunidade para a formação política, pois estão sendo proporcionadas rodas de conversa, palestras e exposição de vídeos. No entanto, não há consenso em torno da ocupação.
Numa consulta entre os estudantes venceu o não, em oposição à ocupação, com pequena margem. As assembleias de professores e estudantes estão sendo marcadas por momentos de tensão. No dia 11 de novembro os técnicos, com adesão dos docentes, decidiram pela paralisação, marcada a partir do dia 25, sexta passada.
A seção do Andes tem realizado atos de esclarecimento sobre a PEC 55 e outras medidas do governo federal em todas as unidades da instituição, e alertado para a necessária defesa do ensino público, gratuito e de qualidade e pela manutenção dos direitos da classe trabalhadora e dos povos ancestrais.
*Artigo publicado originalmente em http://cartamaior.com.br/?/Edi
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