Crônica - O Natal - Manoel Messias Pereira
Geralmente essa data, na minha infância, tinha um outro significado, pois talvez não entendia bem os papos dos adultos.
Eu sempre observava os mais velhos comprarem e guardar vinhos pra noite
de Natal, minha mãe e avós, ficava pensando em enfeitar a casa,
organizar um presépio. E um tio vinha sempre com ideias mirabolantes,
colocando vaquinhas, luzes elétricas piscando, um monjolo que ele tinha
sempre que ficar retirando a água. Parecia brincadeira de criança.
Além do mais era sempre época que vinha a folia de reis, cantando que
Cristo nasceu em Belém para todo o nosso bem, e para todo o nossos bem.
Minha mãe tinha a paciência de dizer que Jesus Cristo havia nascido em
25 de dezembro e que ela gostaria que a minha irmã tivesse nascido neste
noite, que pra ela era mágica.E lamentava pois uma vizinha que tinha o
nome de Dona Maria teve a filha nascendo em 25 de dezembro e ganhou todo
o enxoval.
Minha irmã nasceu muito antes, ou seja no dia 9 de dezembro e recebeu o nome de Maria.
Maria preta, Natalina, nasceu em lar esfomeado, meu pai trabalhava
descarregando caminhão no Paraná. Precisei sair correndo nos meus 5 anos
a procura de uma parteira e encontrei a Dona Rosa, que antes de fazer o
parto diz que necessitava beber uma cachaça, e depois colocar a
calcinha e eu não entendia nada. Mas ... já imaginava.
Mas nasceu o rebento. Meu pai chegou de viagem e disse que não trouxe
nada, não recebeu o ordenado e que ficou doente. Minha mãe com certeza
acreditou. Achei que ele gastou com as mulheres mas não podia falar
nada.
Mas o 25 de dezembro estava pra chegar e minha mãe ganhou de presente
uma filha, negra de nariz em aberto pra cheirar mais do que deve ser
cheirado, chorava como quem já estava adivinhando que este mundo é feito
pra sofrer.
Na noite do Natal eu dormi bem cedo, acreditando nas fantasias dos
adultos que creem que vem um velho de barbas brancas com um carrinho de
plástico, sem roda pra gente. Eu ficava imaginando por que o tal papai
Noel era tão sacana, que em casa de pobre só trazia um brinquedo velho.
Mas deixa pra lá.
Eu pensava os adultos tem muita fantasia, e punha Papai Noel, a Onça, o
Lobisomem, num saco só, a do esquecimento. Só sabia que na Noite do
Natal podia ver as estrelas, e pensar que Deus estava no Céu. E que um
dia mandou o seu filho na terra, e que este era Jesus.
Nada tinha com Jesus, só chamava Messias, que minha mãe dizia era o nome
do Jesus, que imaginava. Ele tem nome mas gosta do apelido. Era como o
Pelé, que chamava Edson Arantes do Nascimento. Só que Jesus não jogava
bola só ficava no Céu e pregado na Cruz, doidura ou doideira total.
Natal era um dia bom pra todos tomar vinho, vomitar e quase morrer de
dor de cabeça. E também questionava Deus. Que dia tão chato este Sr.
fez, que as pessoas tem de ficar doente. Mas o que valia, era o
pertubado sanfoneiro que tocava na rua. Eu ouvia tudo de meu pequeno
barraco de madeira. Tudo é interessante.
A alegria era mesmo poder olhar o céu. O resto não interessava muito.
Mesmo quando chovia e a casa enchia de goteiras, a gente colocava
canequinhas que fazia um som legal. Outra vez se não havia chuva, tinha
estrelas brilhando. e minha mãe apontando no escuro o vaga-lume, como
quem desejasse indicar outra história. Mas tudo era interessante. O
papai Noel eu colocava junto com a Onça e o Lobisomem no saco de meu
esquecimento e tudo estava bem.
Manoel Messias Pereira
poeta, cronista
Membro da Academia de letras do Brasil - ABL
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