Hipertensão é mais persistente entre negros, aponta estudo






Hipertensão é mais persistente entre negros, aponta estudo


Apesar de o tratamento da pressão alta ter avançado entre a população em geral, afrodescendentes têm mais dificuldade para controlar a doença


A hipertensão continua sendo o principal fator causador de acidentes vasculares cerebrais (AVCs) no mundo. A boa notícia é que, nos últimos 20 anos, essa participação vem sendo gradativamente reduzida, graças ao desenvolvimento de novas drogas e tratamentos, entre outras medidas preventivas, que concorreram para o maior controle da pressão arterial entre a população em geral. Ocorre, porém, que esse impacto positivo não alcançou de forma simétrica brancos e negros. O ganho foi mais significativo entre os primeiros que entre os segundos. Os dados fazem parte de pesquisa desenvolvida pelo cardiologista Wilson Nadruz Júnior, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, junto com pesquisadores da Harvard Medical School. O trabalho rendeu artigo (http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc1616085) que foi publicado no último mês de maio pela The New England Journal of Medicine, considerada a principal revista médica do mundo.
A investigação de Nadruz foi feita com base em um estudo norte-americano denominado Atherosclerosis Risk in Communities (ARIC), que desde 1987 tem acompanhado as características clínicas de uma população formada por 15 mil pessoas. Ao longo das últimas décadas, os pesquisadores têm registrado informações sobre esse contingente, como características clínicas, exames, medidas de pressão e eventuais intercorrências cardiovasculares. No caso da pesquisa conduzida pelo docente da FCM-Unicamp, foram considerados os dados registrados pelo levantamento entre 1990 e 2010.


Foto: Antoninho Perri
O cardiologista Wilson Nadruz Júnior, professor da FCM: “Ainda que a pesquisa tenha sido desenvolvida com base em dados extraídos de uma parcela da população dos Estados Unidos, nós estimamos que a situação aqui no Brasil seja parecida ou até mesmo um pouco pior”
O principal objetivo do pesquisador foi analisar se as contribuições dos cinco principais fatores de risco para a ocorrência do AVC (hipertensão, tabagismo, diabetes, colesterol alto e obesidade) haviam mudado com o decorrer do tempo. “A nossa hipótese é de que poderiam ter ocorrido alterações nesse sentido, dado que nos últimos 20 anos a população modificou hábitos e a medicina desenvolveu novas drogas e tratamentos que aumentaram o controle sobre esses fatores de risco”, explica Nadruz.
Uma das primeiras constatações do estudo foi que, sim, algumas coisas mudaram ao longo do tempo. Embora a hipertensão continue sendo o principal fator de risco para o AVC, a sua contribuição tem mostrado uma tendência de queda ano a ano, de forma geral. “Isso é uma evidência importante de que estamos avançando no controle da pressão arterial das pessoas”, entende o cardiologista. Ele observa, no entanto, que esse ganho não ocorreu na mesma medida para brancos e negros. Entre os primeiros, a redução dessa contribuição foi mais significativa que entre os segundos.
O que explicaria tal situação? Segundo Nadruz, a medicina ainda não tem uma resposta definitiva para a questão, mas dispõe de alguns dados que fornecem pistas sobre a diferença de performance entre as etnias. “A literatura médica tem registrado há um bom tempo que os negros apresentam níveis de pressão arterial mais altos e têm maior dificuldade para controlá-los. Isso ocorre inclusive entre as pessoas que são submetidas a tratamentos contínuos com medicações anti-hipertensivas. Uma explicação para essa situação pode estar no fator genético. Entretanto, não podemos deixar de considerar outras possíveis variáveis, como as condições socioeconômicas dos afrodescendentes, que tendem a ser inferiores às da população branca”, pondera o professor da FCM-Unicamp.
De toda forma, continua o cardiologista, o resultado do estudo fornece dados úteis à formulação de políticas públicas para a ampliação do controle da pressão arterial, especialmente entre a população negra. “Ainda que a pesquisa tenha sido desenvolvida com base em dados extraídos de uma parcela da população dos Estados Unidos, nós estimamos que a situação aqui no Brasil seja parecida ou até mesmo um pouco pior. Sendo assim, é importante que tenhamos programas voltados ao combate da hipertensão, de modo a evitar mortes ou sequelas graves em pacientes atingidos pelo AVC”, reforça. O AVC é segunda principal causa de morte no Brasil e a principal causa de incapacidade no mundo. Segundo o Ministério da Saúde, a cada cinco minutos um brasileiro morre em decorrência de derrame, o que resulta em mais de 100 mil óbitos por ano. No mundo, o AVC causa seis milhões de mortes anuais.

Outros fatores
Ainda que a hipertensão seja o principal fator de risco do AVC, outras condições como tabagismo, diabetes, colesterol alto e obesidade não devem ser negligenciadas pelas autoridades de saúde nem tampouco pela população, assinala Nadruz, que fez seu pós-doutorado na Harvard Medical School, atuando junto ao Brigham and Women´s Hospital. No estudo que coordenou, o cardiologista verificou que a obesidade não constitui um fator independente para a ocorrência do AVC. “Isso não quer dizer que a doença possa ser desconsiderada, visto que a obesidade está na base do surgimento de enfermidades como a hipertensão e a diabetes, que por sua vez favorecem a ocorrência do acidente vascular cerebral”, alerta.
A maneira mais eficaz de enfrentar esses problemas de saúde pública, considera Nadruz, é estimular a prevenção. “Temos que conscientizar as pessoas da necessidade de levarem uma vida mais saudável. Isso inclui a prática rotineira de exercícios físicos, a adoção de uma alimentação mais saudável e o abandono do tabagismo”, elenca. Além disso, diz o especialista, também é preciso reproduzir no país estudos epidemiológicos de longa duração, a exemplo do que faz os EUA, que permitam uma avaliação mais precisa do nível de saúde da população.
Atualmente, insiste o professor da FCM-Unicamp, dispomos de tratamentos que permitem um controle efetivo sobre os fatores de risco que levam ao AVC. “A hipertensão, por exemplo, é uma doença de fácil diagnóstico e passível de ser controlada. Apesar das dificuldades existentes, o acesso ao sistema de saúde no Brasil, hoje, é muito melhor que há 20 anos, sem contar que os remédios anti-hipertensivos podem ser retirados gratuitamente, mediante prescrição médica, em unidades básicas de saúde e em farmácias populares espalhadas por todo o país”, analisa.
Graças aos contatos realizados no período do seu pós-doutorado, Nadruz vem mantendo pesquisas colaborativas com seus colegas da Harvard. “Recentemente, nós submetemos outro artigo a uma revista científica, dessa vez analisando a questão do infarto, mas com base nos mesmos princípios adotados em relação ao AVC”, informa o cardiologista. De acordo com ele, o objetivo é que essa cooperação internacional ganhe ainda mais corpo e permita, entre outras medidas, o intercâmbio entre pesquisadores das duas instituições e o desenvolvimento de mais projetos em conjunto.

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