Nossos Professores estão adoecendo?



Nossos professores estão adoecendo?
Um tema recorrente e que está se tornando cada vez mais objeto de investigação científica é a saúde mental dos professores. Como psicólogos escolares e pesquisadores do tema, participamos ativamente de reuniões nessas instituições, o que nos possibilitou verificar que muitos docentes estavam desorientados com relação aos rumos de suas vidas, tanto na dimensão pessoal quanto na profissional. Não era incomum que tal situação já deixara marcas em seus corpos e mentes, a ponto de comprometer de modo considerável a qualidade de vida. Como também atuávamos na área da saúde mental, não conseguíamos deixar de notar que essa situação não era apenas produto de um quadro de angústia normal e esperada de qualquer existência humana. Em nossa visão, eles estavam doentes ou adoecendo psiquicamente.

No dia a dia de trabalho presenciávamos o reflexo dessa situação: pedidos de afastamento médico; problemas de relacionamento, mesmo com aqueles com os quais tinham amizade; dificuldades para lidar com a dinâmica dos educandos; e, consequente, maior quantidade de encaminhamento de estudantes para psicólogos e outros profissionais (médicos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, entre outros) e relatos de sintomas de pânico quando tinham que se dirigir à instituição educativa na qual desempenham sua função profissional.

Mesmo em face dos avanços possibilitados pelas leis trabalhistas, visando ao bem estar do funcionário, sociólogos como Richard Sennett (1943-) e Zygmunt Bauman (1925-2017) observaram que a cultura do imediatismo, da efemeridade e da flexibilidade – características próprias do capitalismo pós-industrial – tem obrigado o trabalhador atual a se renovar constantemente e a não se apegar a nada, pois tudo é considerado passageiro ou pode se tornar obsoleto, além de inexistirem estímulos que possibilitem o estabelecimento de vínculos profundos com o objeto de trabalho.

Como corolário, pouca reserva psíquica tem sido destinada ao campo das relações intra e interpessoais, pois a subjetividade produzida tende a levar o empregado a viver em estado permanente de ansiedade e inconstância. Afinal, não há lugar no mundo para a construção de suas narrativas. Para os citados intelectuais, esses caracteres da atualidade podem explicar a alta incidência de trabalhadores mentalmente adoecidos, especialmente entre aqueles que lidam diretamente com outras pessoas – como é o caso dos professores.

Ao analisarmos as publicações acadêmicas, os autores encontraram dados semelhantes aos verificados em estudo desenvolvido por nós: problemas de infraestrutura e de organização das escolas; dificuldades no campo das relações interpessoais, tanto com os demais educadores quanto em relação aos estudantes e seus responsáveis; problemas com o papel destinado à educação no capitalismo contemporâneo, que visa à formação de ativos, em vez de cidadãos críticos; a decepção do educador decorrente da não concretização, por intermédio de sua atuação, de seus ideais de manutenção ou de transformação social; a falta de tempo para responder a todos os estímulos que lhe são direcionados, entre outros.

Esse quadro acaba por acarretar o esgotamento mental dos educadores, a ponto de eles serem incapazes de lidar com as demandas características da profissão, além de destruir gradativamente sua tolerância e resiliência. Talvez seja por isso que praticamente não encontramos pesquisas cujo objetivo tivesse sido o de analisar as práticas desempenhadas pelos próprios profissionais da Educação visando à melhoria de seu espaço laboral.

Essas questões nos estimularam a realizar pesquisa, entre os anos de 2015 a 2017, cujo objetivo principal foi o de verificar a incidência de professores mentalmente adoecidos que ministravam aulas em uma rede pública de Ensino Básico de uma cidade de grande porte do interior do Estado de São Paulo. Optamos por mensurar os níveis de ansiedade e de depressão dessa população, pois dados da Organização Mundial de Saúde colocam estes transtornos entre as doenças mais presentes na atualidade, sendo o Brasil o país com maior proporção de ansiosos (9,3% da população) e o 5º no ranking de depressivos (5,8%).

Verificamos, com esse estudo, que 22,7% dos docentes apresentaram sintomatologia condizente ao quadro de Transtorno de Ansiedade e 12,9% para o de Depressão. Se considerarmos ambos, verificamos que 27% dos educadores apresentaram ao menos uma dessas psicopatologias. A realidade torna-se mais preocupante na medida em que, ao investigarmos os níveis de ansiedade e depressão, sem nos atermos a diagnósticos psiquiátricos específicos, os resultados apontaram que cerca de 60,0% dos participantes encontravam-se psiquicamente adoecidos.

Mesmo diante desse cenário, o acesso a tratamento mental é escasso, visto que menos de 5,0% dos entrevistados estava realizando, na época da pesquisa, psicoterapia ou sendo acompanhado por médico psiquiatra – apesar de 20,0% dos educadores terem afirmado que estavam fazendo uso de medicação com função psicotrópica.
Entre os grupos julgados mais vulneráveis do ponto de vista mental, destacaram-se os que: a) não possuíam religião; b) trabalhavam em apenas uma escola; c) possuíam um filho; d) tinham feito mais de uma graduação acadêmica; e) faziam uso de medicação com função psicotrópica; e, d) estavam insatisfeitos ou pouco satisfeitos com algum aspecto de seu trabalho, como o material didático adotado.

Com relação a essa última variável, alguns dados obtidos foram contrários aos verificados em outros estudos. Como exemplo, entre os participantes, constatamos que há uma visão positiva referente à estrutura física das escolas e a existência de boa relação entre membros do corpo docente, e destes junto aos demais funcionários e aos gestores.
No entanto, outros elementos foram ao encontro das pesquisas produzidas, como a dificuldade de relacionamento dos educadores com os estudantes e seus responsáveis e a falta de material pedagógico adequado e de tempo para a realização de suas funções. Curiosamente, apesar de a maioria informar que estava insatisfeita com o salário, não observamos melhora na saúde mental nos grupos que pertenciam a escolas de regime integral ou que deram prosseguimento aos estudos (evolução funcional) – situações estas que possibilitaram aumento dos rendimentos pecuniários.

Talvez, o dado mais significativo do estudo seja o reconhecimento que vivemos atualmente em uma sociedade cujas pessoas estão no “limite” de suas reservas psíquicas, em razão da efemeridade das relações, da velocidade e do excesso de estímulos que devemos dar conta diariamente. Ao refletirmos sobre as fontes de esgotamento mental, julgamos que nada exige mais de nossas energias do que lidar com outro ser humano, em virtude, entre outros aspectos, dos afetos e dos sentimentos gerados nessas relações. Posto isto, o Magistério pode ser considerado como uma das carreiras mais desgastantes psicologicamente – aspecto já apontado pela OMS –, com o agravante de que o docente já não possui hoje a reserva energética que outrora os mestres dispunham para a execução de seu trabalho.

Diante disso, torna-se urgente refletirmos sobre até que ponto a prática docente se sustentará em uma sociedade pautada por relações frágeis e de curto prazo. Nossa preocupação se justifica, pois, comparado a outras carreiras que lidam diretamente com sua “clientela”, poucas necessitam tanto do estabelecimento de vínculo para que seja exercida quanto a docência.

É importante relembrarmos uma frase comum dita entre os docentes: quando chega o fim do ano, o “jeitão” da classe fica igual ao do professor. Dessa forma, só poderemos almejar cidadãos “saudáveis” se a Escola presar pela sua saúde. Para isso, torna-se imperativo a implantação de políticas públicas que contemplem a saúde mental do professor, assim como a reorganização de seu trabalho.

Rodney Querino Ferreira-Costa é Psicólogo Escolar de Paraíbuna (SP).

Dr. Nelson Pedro-Silva é cocente da UNESP/Assis. Contato: nelsonp1@terra.com.br

Atualizada em 06/07/2017 às 10:46 - Responsável: Marcelo Carneiro da Silva


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